A questão ambiental no acordo União Europeia-Mercosul
04 setembro 2019
Em encontro em São Paulo, especialistas analisam as possíveis consequências da política climática brasileira no mercado europeu
Por Bruna M. CençoO aumento do desmatamento e de focos de queimada na Amazônia e em outros biomas, o discurso negacionista do governo brasileiro frente às mudanças climáticas e atitudes vistas como incentivadoras a práticas ilegais contra o meio ambiente têm sido citados como possíveis bloqueios ao recém-anunciado acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Porém, qual o real papel do marco legal e das políticas ambientais brasileiras no acesso ao mercado europeu?
A discussão foi tema de um dos painéis da Conferência Ethos em São Paulo e contou com a presença de Gustavo Luedemann, pesquisador do IPEA e coordenador de Políticas Públicas da Rede Clima, Paulo Roberto de Souza Moutinho, cofundador e pesquisador sênior do IPAM, e Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.
Para abrir o debate, Flavia Resende, coordenadora de práticas e políticas públicas do Instituto Ethos, trouxe um breve resgate de notícias recentes sobre o tema e levantou a questão sobre como o cumprimento de acordos e critérios ambientais podem influenciar no agronegócio brasileiro.
Primeiro a responder, Gustavo Luedemann detalhou a parte legal do Acordo de Paris e da aliança UE-Mercosul, da qual, segundo ele, o Brasil está muito bem representado, pois participou ativamente da construção do documento ao longo dos anos.
“O agronegócio do país lutou muito pelo acordo, que promete uma expansão do mercado brasileiro no exterior. O que o coloca em risco é o questionamento se vamos cumprir as questões ambientais”, diz.
Luedemann comentou ainda que o Brasil precisa detalhar a implementação de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) com que se comprometeu no documento global. “Até o momento, não há a definição de um caminho de como faremos para atingir as metas da NDC, sendo que o Acordo de Paris prevê que é necessário submeter a forma como as metas serão atingidas”.
O diretor-executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic afirmou, por sua vez, que a ameaça de boicote ou não aprovação do acordo com a Europa é uma resposta à percepção de uma desgovernança ambiental por parte do Brasil.
“Essa situação, que é visível, tanto pelos dados de aumento de desmatamento e queimadas quanto pela nuvem preta que chegou à cidade de São Paulo, é reflexo de uma visão do tipo de desenvolvimento que o governo parece ter”, diz Voivodic.
Para ele, o momento, agora, é de enxergar as ameaças como uma oportunidade para os setores público e privado mudarem essa sensação de desgovernança ambiental, seja mostrando que o país não tem tolerância com atividades ilegais na Amazônia (no caso do governo) ou promovendo a rastreabilidade da cadeia (no caso das empresas), para assegurar que seus produtos não têm origem no desmatamento.
“Este pode ser um gatilho para colocar o Brasil na rota de uma economia de baixo carbono, valorizando os produtos da biodiversidade, como borracha, castanha ou copaíba, em vez de continuar investindo em mais áreas de agricultura e pecuária de larga escala, que, devido ao aquecimento global, terão produtividade cada vez mais baixa nos próximos anos”, completa Voivodic.
Paulo Mountinho, do IPAM, reforçou a fala de oportunidade, trazendo a reflexão de que, mais importante do que o acordo com a União Europeia, a questão é a sociedade brasileira dizer qual modelo de desenvolvimento deseja.
“Nós já mostramos que sabemos como fazer. De 2005 a 2008, reduzimos o desmatamento em 80%. Agora, não podemos nos contentar com a diminuição do aumento. Se aumentar uma porcentagem pequena ainda é muito desmatamento”, diz o pesquisador.
Moutinho citou o caso da Bacia do Xingu, onde já é possível sentir a redução da estação de chuvas de seis para duas semanas e o aumento de 0,5 ºC na temperatura local, devido à redução da floresta. “Este cenário está previsto pelo IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] para acontecer em 2070 e já está aparecendo agora. Isso é fatal para o produtor. Sem as florestas, não há produção”, disse Moutinho, acrescentando o grande potencial que o Brasil tem para mudar a situação global.
“Hoje, uma das coisas mais tristes que tenho visto são pessoas dizendo que não querem ter filhos porque não sabem que mundo as crianças de hoje vão receber. A falta de esperança é uma das piores coisas que existem. O Brasil é o único país que tem condições de dar esperança a este planeta”, completou.
A Conferência Ethos-SP foi sediada no Pavilhão do Parque do Ibirapuera e contou com dezenas de palestras e apresentações. Detalhes da programação e informações sobre outros painéis podem ser vistos no site da conferência.
Em novembro, de 6 a 8, a sociedade civil tem um novo encontro, desta vez em Recife, para a Conferência Brasileira de Mudanças Climáticas. O evento, organizado pelo Instituto Ethos com diversas organizações, entre elas o WWF-Brasil, tem como objetivos demonstrar o interesse da sociedade em se manter no Acordo de Paris; gerar compromissos empresariais e prioridades para a agenda ambiental e trazer experiências bem-sucedidas que possam ser replicadas. Para saber mais, acesse www.climabrasil.org.br.