Um novo modelo de agricultura é possível
julho, 05 2018
Audiência pública aponta riscos de um sistema baseado no uso de agrotóxicos e discute modelos alternativos
Audiência pública aponta riscos de um sistema baseado no uso de agrotóxicos e discute alternativasPor Bruno Taitson
A Comissão Especial da Câmara que analisa a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pnara – PL 6670/2016) realizou audiência pública nesta quarta, 3 de julho. Os participantes destacaram a necessidade de uma legislação que promova alternativas ao modelo dominante na agricultura brasileira, baseado na monocultura de exportação e na aplicação intensiva de pesticidas.
Lucas Prates, representante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), lembrou que a alimentação adequada é um direito humano, e que isso passa pela ampla oferta de alimentos livres de substâncias tóxicas. “A comida não pode conter substâncias que, comprovadamente, façam mal às pessoas”, criticou.
A avaliação de Lucas Prates é pertinente em um contexto no qual outra comissão especial da Câmara aprovou, sem a realização de debates adequados, o PL 6299/2002, que facilita sobremaneira o registro de agrotóxicos, inclusive aqueles com substâncias que provocam câncer, malformação fetal, desregulação endócrina e mutação genética, dentre outros males.
O representante do Consea lembrou, ainda, que é preciso que as políticas públicas incentivem a transição para um modelo agroecológico. “É preciso assegurar soberania alimentar, ou seja, fazer com que a população conheça e decida o alimento que irá consumir”, avaliou. Para isso, segundo ele, é necessário proibir no Brasil agrotóxicos já vedados em outros países, tornar ilegal a pulverização aérea e determinar que sejam feitas análises de resíduos de agrotóxicos em alimentos como leite, milho, soja e carne.
Outro ponto levantado na audiência foram os incentivos fiscais concedidos pelo Estado brasileiro à indústria de agrotóxicos. Levantamentos apresentados mostram que o contribuinte brasileiro subsidia pesadamente a indústria do veneno: há isenção de 100% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de desconto de 60% do ICMS em muitos estados. Somente no ano passado os cofres públicos deixaram de arrecadar cerca de R$ 1,3 bilhão desse setor.
Marcelo Novaes, do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FPCIAT), mostrou mapas do estado de São Paulo em que, claramente, as grandes manchas que indicam regiões com maiores índices de câncer e malformações congênitas coincidem com zonas onde os agrotóxicos são aplicados em maiores quantidades. “Qual o valor da vida nesta nação, com tanto cifrão voando por aí?”, questionou Marcelo Novaes, em referência à aprovação do Pacote do Veneno.
Outro ponto levantado pelo representante do FPCIAT é a necessidade de mais pesquisas de qualidade no Brasil sobre o tema dos agrotóxicos. Segundo ele, praticamente não há trabalhos científicos no país sobre glifosato e neocotinoides, por exemplo, ao passo que, na Europa, existem milhares. “Parece que nossa ciência e nossa academia foram sequestradas pelos interesses econômicos. É uma luta de Davi contra um gigante”, opinou Marcelo Novaes.
De acordo com Francisco Dalchiavon, da União Nacional das Organizações Cooperativas Solidárias (Unicopas), já existe no país uma agricultura que fornece alimentos em larga escala sem veneno. “Há vários exemplos em nossos assentamentos, como a produção de arroz orgânico em grande quantidade, bancos de sementes crioulas e uso de fertilizantes naturais”, citou.
O representante da Unicopas lembrou que é necessário reforçar esse modelo alternativo, no qual o conhecimento e a tecnologia são de domínio do agricultor. “Esse novo sistema não pode estar na mão das empresas. Isso é importante também para que o produto orgânico não seja uma exclusividade da classe média-alta e das classes altas, esse alimento sem veneno tem que chegar à periferia por meio dos programas governamentais”, ressaltou.
Rogério Dias, da Associação Brasileira de Agroecologia, salientou a importância socioambiental da Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos. “A Pnara cria espaços para a disseminação das alternativas ao uso do veneno. É preciso mudar o sistema, fazer com que tecnologias como o controle biológico de pragas estejam disponíveis. Por que temos tanta doença? Porque é isso que dá o lucro. Preferem curar comprando medicamento, e não mudando o sistema”, concluiu.