Juízes se somam à mobilização contra o PL da Caça
junho, 25 2018
Dezenas de organizações ambientais reunidas em Florianópolis na noite dessa quinta-feira (21) assinaram manifesto contrário ao Projeto de Lei 6268/2016, que pretende liberar a caça no Brasil. Em evento realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina e com a participação de parlamentares, ambientalistas, representantes de órgãos de fiscalização ambiental, de associação de juízes e de membros do Ministério Público, o projeto sofreu uma série de críticas. O autor do projeto, o deputado Valdir Colatto (MDB-SC), apesar de convidado, não compareceu ao debate.
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) se solidariza com movimento para barrar proposta que pretende liberar a caça no BrasilPor Warner Bento Filho
FLORIANÓPOLIS - Dezenas de organizações ambientais reunidas em Florianópolis na noite dessa quinta-feira (21) assinaram manifesto contrário ao Projeto de Lei 6268/2016, que pretende liberar a caça no Brasil. Em evento realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina e com a participação de parlamentares, ambientalistas, representantes de órgãos de fiscalização ambiental, de associação de juízes e de membros do Ministério Público, o projeto sofreu uma série de críticas. O autor do projeto, o deputado Valdir Colatto (MDB-SC), apesar de convidado, não compareceu ao debate.
Representando a Ajufe, o juiz Vicente de Paula Ataíde Júnior classificou o projeto como um retrocesso. “Estamos preocupados. Esse projeto nos assombra”, disse. “Os animais não são objeto à nossa disposição, independentemente, inclusive, de sua função ecológica. São indivíduos que sentem e sofrem”, concluiu. O magistrado informou, ainda, que a ofensiva contra os animais fez com que a Ajufe resolvesse criar uma comissão para cuidar de assuntos ligados à pauta socioambiental.
Retrocesso na legislação ambiental
A proposta do chamado PL da Caça autoriza o abate de animais silvestres ameaçados de extinção; legaliza o comércio de animais silvestres e exóticos; autoriza a erradicação de espécies exóticas consideradas nocivas; autoriza o estabelecimento de campos de caça em propriedades privadas e a criação e manutenção de animais silvestres em criadouros comerciais. Animais recebidos em centros de triagem poderão ser destinados a cativeiros e a campos de caça; zoológicos poderão vender animais silvestres a criadouros. Animais silvestres provenientes de resgates em áreas de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental poderão ser abatidos.
“Se aprovado, esse projeto colocaria por terra toda a proteção existente sobre as faunas silvestre e exótica, liberando criadouros, a comercialização, o tráfico de animais silvestres, sua perseguição e caça”, diz trecho do manifesto, que deve ser enviado à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - CMADS da Câmara dos Deputados.
“Lamentavelmente, estamos participando de várias audiências sempre tratando de retrocessos ambientais”, disse o promotor Paulo Locatelli, do Ministério Público de Santa Catarina.
Extermínio de animais silvestres
O coordenador de Programas do ICMBio Rogério Cunha de Paula classificou o projeto como “nocivo, danoso e criminoso”. Segundo ele, a permissão de abate de animais silvestres, “totalmente aberta, liberada a qualquer órgão licenciador”, de espécies que representem ameaça à saúde, teria potencial para exterminar as populações de primatas perto das grandes cidades, por problemas como surtos de febre amarela.
Rogério também chama atenção para o fato de que o caçador abate o que está disponível, e não necessariamente a espécie para a qual teria autorização. “Nas reservas de caça na África, as pessoas vão para caçar elefantes e caçam rinocerontes”. O coordenador de programas diz que são falsas as afirmações de que a caça ajuda a tirar da miséria comunidades pobres. “Temos diversos artigos científicos que mostram que essas comunidades não melhoram sua renda. A caça não ajuda a diminuir a pobreza. O dinheiro nunca chega a essas comunidades”, afirma.
Animais se tornam “coisa de ninguém”
“Esse projeto tira toda e qualquer proteção que exista ou que possa existir sore os animais silvestres. Autoriza qualquer pessoa, em qualquer momento, como quiser, a caçar, matar e comercializar qualquer animal. Os animais viram coisa de ninguém”, alerta a promotora do Ministério Público de São Paulo Vânia Tuglio. “Um animal silvestre resgatado hoje deve ser prioritariamente libertado em seu habitat. Já o PL em questão prima pela eutanásia, sem nenhuma previsão de readaptação do animal capturado na natureza”, completa.
“O projeto em questão não dialoga com aquilo que a humanidade vem incorporando em termos de conhecimento”, disse o deputado Nilto Tatto (PT-SP), relator da proposta na CMADS. “O autor do PL é do mesmo grupo que quer flexibilizar o porte de arma. Esse projeto não quer só facilitar a caça. Há outros interesses. Nos últimos anos, ano a ano batemos o recorde de número de assassinatos no campo em conflitos fundiários. Essa proposta vai permitir ainda mais mortes, com mais gente armada no campo”, argumentou o parlamentar.
O projeto de Colatto provocou forte reação da sociedade civil. Um grupo de organizações ambientalistas deu início a uma campanha pelas redes sociais com a hashtag #todoscontraacaça. Há um abaixo-assinado contra o projeto que já conta com mais de 150 mil assinaturas. O grupo também mantém uma página no Facebook com mais de 14 mil seguidores.
O próximo debate sobre o assunto deve ocorrer em Brasília no dia 3 de julho.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
MANIFESTO DA SOCIEDADE CIVIL CONTRA O PROJETO DE LEI 6268/2016
Nós, abaixo-assinados, reunidos em Florianópolis em 21 de junho de 2018, nos manifestamos frontalmente contrários ao Projeto de Lei 6268/2016 e a todas as tentativas de liberar a caça no Brasil.Entendemos que o referido projeto representa um retrocesso em termos ambientais e éticos. Atenta contra o disposto no Artigo 225 da Constituição Federal, que determina o direito de todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Mais adiante, no Inciso VII, determina que o poder público deve “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
O estabelecimento de campos de caça, a destinação de animais resgatados ao abate, a permissão para a comercialização de animais da fauna silvestre, como pretende o PL em questão, é uma clara afronta ao dispositivo constitucional, pois não aponta no sentido de proteção da fauna, ameaça sua função ecológica e implicará, se aprovado, em enorme crueldade contra os animais.
Da mesma forma, consideramos inadmissível que, a pretexto de permitir que as populações rurais se protejam do ataque de animais, se legalize a formação de milícias armadas, que desafiam as forças do Estado, notadamente ao retirarem dos fiscais ambientais o direito ao porte de arma.
Problemas representados por exemplares da fauna exótica irregularmente liberados no ambiente, como é o caso do javali, não justificam a liberação da caça. O controle dessa espécie já é regulamentado por meio da Instrução Normativa do Ibama nº 03/2013, de 31 de Janeiro de 2013. Além disso, o abate de animais prejudiciais às lavouras e pomares já é autorizado desde 1998, pelo artigo 37 da lei 9605/98, a Lei de Crimes Ambientais.
Se aprovado, este projeto colocaria por terra toda a proteção existente sobre as faunas silvestre e exótica, liberando criadouros, a comercialização, o tráfico de animais silvestres, sua perseguição e caça.
Portanto, nos alinhamos com o parecer do relator do projeto, deputado Nilto Tatto (PT-SC), que conclui pela rejeição do projeto, em face das graves ameaças representadas pela proposta.
Florianópolis, 21 de junho de 2018.