Em busca da certificação do pirarucu nos lagos do Acre

outubro, 13 2015

Iniciativa inédita no Brasil pode abrir novas fronteiras de mercado para os pescadores da Amazônia e agregar valor aos produtos
Como forma de conter a sobre-exploração da pesca do pirarucu no município de Feijó, no Acre, desde 2005, os pescadores da região vêm desenvolvendo, em parceria com a sociedade civil e o governo, acordos de pesca que estabelecem regras para manejar a espécie e, assim, evitar a sua extinção e garantir a qualidade de vida dos moradores.
 
A manutenção das populações de pirarucu, a autorização da pesca dos lagos regulados pelos acordos, então proibida em todo o estado, e, posteriormente, o aumento da renda dos pescadores envolvidos no trabalho, fazem do Acre uma iniciativa promissora no manejo e no monitoramento do “bacalhau de água doce”, como é conhecido, e de outras espécies.
 
Com os resultados em mãos, os pescadores de Feijó querem agora ir além: certificar a pesca do pirarucu nos lagos manejados do município, que possibilitaria a abertura de novas fronteiras de mercado e maior valor agregado ao produto. Caso se confirme, será a primeira vez no Brasil que um sistema de pesca de água doce recebe um selo que atesta a sustentabilidade dos seus produtos e dos seus processos.
 
Mas para chegar lá, no entanto, é preciso atender aos padrões e requisitos do Programa de Certificação MSC (Marine Stewardship Council), um dos mais importantes no mundo. “Ao todo são 28 indicadores de performance, robustos e embasados cientificamente, utilizados para avaliar a sustentabilidade de pescarias comerciais, marinhas e de água doce”, explica Antonio Oviedo, especialista de pesca do WWF-Brasil, organização responsável pelo Programa Pesca Sustentável, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do Fundo Amazônia.
 
De forma a contribuir com esse objetivo será assinado um Memorando de Entendimento entre WWF-Brasil, Colônia de Pescadores de Feijó, Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com vigência até 2017. “A proposta é trabalhar de forma coordenada para melhorar a sustentabilidade da pesca do pirarucu nos lagos manejados do município, assim como implantar projetos específicos voltados ao desenvolvimento de ações que visem o uso sustentável dos recursos pesqueiros, explica.
 
Detalhes da certificação
O projeto para a certificação do manejo de pirarucu nos lagos de várzea no município de Feijó, no Rio Envira, deu início em 2014, quando foi conduzida uma pré-avaliação da pescaria da região. Essa primeira etapa é rápida e mais simples, cujo objetivo central é verificar o potencial da atividade em atender os padrões do MSC. Nesse contexto, busca-se ainda apontar se a pescaria deve seguir para a etapa de avaliação completa ou se ainda são necessários ajustes e melhorias para que os requisitos do Programa sejam atendidos.
 
De uma forma geral, a pré-avaliação dos lagos da região apresentou um desempenho positivo, principalmente no que diz respeito ao estado dos ecossistemas. Esse princípio avalia os impactos que a pesca do pirarucu exerce sobre as outras espécies que não são alvo da pescaria, e hábitats de uma forma geral. “O primeiro diagnóstico demonstrou claramente que a certificação da pesca no Acre é promissora, mas que existem diversos desafios a serem superados”, afirma Oviedo.
 
Dos 28 indicadores, o trabalho em Feijó não atendeu a seis deles, que avaliam a saúde dos estoques-alvo e o funcionamento do sistema de gestão da pescaria. Sobre os estoques, identificou-se a ausência de conhecimentos técnicos sobre hábitos da espécie como, por exemplo, aspectos migratórios do pirarucu e a sua distribuição nos lagos. “Isso gera incerteza pois, pelo fato do peixe habitar lagos de várzea, não se sabe ao certo como a espécie se locomove durante o período de cheias, quando os lagos deixam de ser isolados. Ele pode migrar longas distâncias, o que pode dificultar uma avaliação sobre os estoques de cada lago”, esclarece.
 
Nesse contexto, o aprimoramento das contagens nos lagos de Feijó, a partir da capacitação de forma continuada dos pescadores, é fundamental para que se tenham avaliações de estoque confiáveis, reduzindo as incertezas sobre as quotas anuais autorizadas.
 
O principal problema identificado com a gestão da pescaria consiste no fato de que os acordos de pesca para os lagos de Feijó ainda não se encontram regulamentados. Na última semana, a situação avançou de forma significativa com a publicação de uma Portaria, pelo Governo do Acre, que estabelece as normas para a aprovação dos acordos no estado. “Esse é o primeiro passo para a regulamentação. Com isso em mãos atendemos parte do indicador da certificação, faltando apenas a aprovação, por meio da publicação de instruções normativas, dos acordos”, afirma.
 
Como forma de corrigir as não conformidades, foi desenvolvido um Plano de Melhorias (Fisheries Improvement Program – FIP, em inglês), entre as organizações participantes do Memorando, que está em implementação desde abril de 2015. O Plano possui dois eixos centrais de atuação, sendo um “político-gerencial”, que irá promover melhorias no sistema de gestão pesqueira e fiscalização, e um segundo eixo “técnico-científico”, que irá solucionar problemas relacionados à falta de conhecimentos técnicos sobre a biologia e hábitos migratórios do pirarucu, bem como aprimorar as técnicas de contagem.
        
As ações que devem ser implementadas a fim de atender os padrões MSC são:
- Estudo de telemetria com a implantação de rádio transmissores em uma amostra de peixes para ampliar o conhecimento sobre os padrões de migração e definir com mais exatidão o zoneamento dos lagos a serem envolvidos no sistema de manejo;
- Programa de capacitação continuada aos pescadores sobre as técnicas de contagem e avaliação de estoques de pirarucu;
- Regulamentação dos acordos de pesca e cotas de pesca nos lagos onde é feito o manejo do pirarucu;
- Implantação de um Plano Integrado de Fiscalização e Vigilância, que resulte na ação coordenada de pescadores e agentes governamentais;
- Programa de monitoramento da pesca.
 
“Ao final do FIP, a pescaria deve estar preparada para a avaliação completa, a qual atestará a sua sustentabilidade e permitirá que os produtos provenientes da pescaria certificada utilizem o selo MSC de sustentabilidade. Nossa expectativa é que isso aconteça até julho de 2016”, finaliza Oviedo.
 
 
Pirarucu pescado nos lagos do município de Feijó, no Acre
© Divulgação/ WWF-Brasil
Pescaria nos lagos do Acre.
© Divulgação/ WWF-Brasil
Pescadores de Feijó avaliando o pirarucu após a pesca
© Divulgação/ WWF-Brasil
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