França-Brasil: a corrida do ouro e a necessidade de cooperação
dezembro, 10 2012
Atual visita de Estado significa uma oportunidade única para Brasil e França demonstrarem que suas ações bilaterais podem concretizar as anunciadas aspirações e parar com a mineração ilegal de ouro dentro das unidades de conservação.
Por Isabelle Autissier, secretária geral do WWF-França; Maria Cecília Wey de Brito, secretária geral do WWF-Brasil; Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF; e Dominik Plouvier, diretor regional do WWF-Guianas. A presidente Dilma Rousseff inicia hoje (10/12) uma visita oficial à França, com duração de 48 horas. Uma excelente oportunidade para lembrar que Brasil e França compartilham fronteira física, localizada em todo o perímetro sul e leste da Guiana Francesa. Ao longo de mais de 600 quilômetros, apenas um rio e uma cadeia de montanhas separam os dois países, tendo ao fundo a impressionante Floresta Amazônica. Foi ali que o ímpeto brasileiro levou à criação, em 2020, do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no estado do Amapá, seguindo-se em 2007 a criação do Parque Amazônico na Guiana Francesa. Juntas, essas duas unidades de conservação adjacentes formam a maior área protegida de floresta tropical do mundo.
No entanto, apesar desse contexto aparentemente idílico, as relações entre os dois países sofreram um tropeço. Uma grave enfermidade instalou-se no coração dessas gigantescas áreas protegidas, dedicadas à biodiversidade e às comunidades locais: a corrida do ouro. Provocada pela forte demanda do mercado, relacionada à economia global e associada a aspectos sociais e econômicos dos dois países, e ainda impulsionada pelo aumento do preço desse metal precioso, a caça ao tesouro levou à pilhagem descontrolada dos recursos que, teoricamente, estariam sob a proteção governamental. A realidade cotidiana das comunidades locais e indígenas passou a ser a contaminação da água com mercúrio, a destruição das florestas primárias, a degradação das condições de vida e a insegurança. Cientes da situação, os dois governos decidiram assumir um compromisso, por meio de um acordo bilateral específico, de unir suas forças e lutar contra esse flagelo que polui os rios e provoca uma grave mancha na imagem do Brasil junto à França.
Assinado em 2008, o texto (do acordo) -- cujo objetivo específico é restabelecer a credibilidade das áreas protegidas do Brasil e da França e torná-las aptas a receber os meios necessários para garantir o respeito às leis -- ainda não foi ratificado pelo Brasil. Pior ainda: desde o covarde assassinato de dois soldados franceses por garimpeiros, em junho de 2012, a aparente passividade de uma minoria de funcionários públicos brasileiros em postos eletivos colocou em dúvida a existência de uma real vontade bilateral de acabar com esse desastre social e ambiental. Os protestos públicos organizados em Caiena (capital da Guiana Francesa) e as consequentes tensões sociais devem fazer com que os presidentes do Brasil e da França acelerem o processo de ratificação pelo lado brasileiro, para dar início às ações bilaterais anunciadas quase quatro anos atrás. Ao longo desses quatro anos ocorreram crimes demais, ofensas demais, e isso sobrecarregou em muito a cooperação franco-brasileira.
Esta nova visita de Estado significa uma oportunidade única para Brasil e França demonstrarem que suas ações bilaterais podem concretizar as anunciadas aspirações e interromper a mineração ilegal de ouro dentro de unidades de conservação, como foi solicitado, durante a Rio+20, pelo WWF e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COICA) no Chamado pela Amazônia.