Entrevista: Carlos Nobre
junho, 11 2012
Carlos Nobre, atual Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
O pesquisador Carlos Nobre, atual Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é uma das principais referências internacionais na área de clima. É dele a hipótese, formulada há 20 anos, sobre a "savanização" da Amazônia por causa dos desmatamentos.Nobre, engenheiro pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), é do quadro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foi um dos autores do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) que, em 2007, foi reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz.
A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu por telefone ao WWF, quando fez um balanço das discussões ambientais nas duas últimas décadas, especialmente sobre clima, e falou sobre suas expectativas quanto à Rio+20.
O que fazia à época da Rio 92? Já se preocupava com as questões relacionadas à mudança climática?
Eu me preocupava, tanto é que, na época, liderava a parte brasileira de um experimento internacional com a Inglaterra, um experimento para estudar os impactos climáticos das perturbações antropogênicas na Amazônia, um estudo sobre perturbações e variações climáticas, efeitos de desmatamento. Teve uma mostra na Rio 92 e nós expusemos resultados preliminares do experimento que havia começado em 1990 e ainda estava em andamento. Participei de várias atividades lá, algumas na antiga Universidade do Brasil, organizadas pelo professor [Luiz] Pinguelli [Rosa] que fez uma série de debates pré-Rio 92.
A Rio 92 teve importância decisiva nos encaminhamentos a respeito das mudanças climáticas?
Obviamente, foi um enorme catalizador. Os resultados mais concretos da Rio 92 foram as convenções internacionais. Ela aprovou quatro convenções, duas avançaram muito, principalmente a climática e a de biodiversidade. A Convenção do Combate à Desertificação menos, e a de Águas Internacionais, menos ainda. A Rio 92 foi um grande marco da discussão da convivência entre o desenvolvimento econômico e a preservação da qualidade ambiental do planeta como um todo, sendo um grande marco da conscientização da chamada agenda do desenvolvimento sustentável. Foi simplesmente um grande momento das Nações Unidas e certamente representou um grande avanço pelo simbolismo.
Muito embora o senso comum espere que mudanças climáticas sejam discutidas agora na Rio+20, esse não é o propósito desta conferência.
Não é o propósito primário da nova conferência porque uma vez que a Convenção do Clima surgiu e foi ratificada pela maioria dos países - e teve um filhote muito importante que foi o Protocolo de Kyoto - não se vai retomar o mesmo tema, até porque todos os anos há uma Conferência das Partes dos países signatários da Convenção do Clima. Então, não teria sentido fazer uma outra Cúpula da Terra, semelhante a de 1992. Essa cúpula tem que ser vista com um outro objetivo. Fala-se em desenvolvimento sustentável, um tema muito recorrente naquela época também, quando estávamos a 8 anos da virada do milênio. Falava-se da Agenda 21. Portanto, 20 anos depois, nós temos que retomar o tema do desenvolvimento sustentável. Agora, não é possível separar totalmente os temas e algumas dimensões como, por exemplo, as mudanças ambientais globais - em que as mudanças climáticas assumem um papel preponderante. Transversalmente a Rio+20 estará tratando desses assuntos de modo mais integrativo e não como se fosse uma negociação de avanços incrementais na temática da convenção climática, em que você tem uma série de ações em andamento, uma série de propostas em negociação. A proposta da Rio+20 é ser muito parecida em sentido simbólico e histórico com a Rio 92. É um grande momento de reflexão sobre os rumos do desenvolvimento do planeta, do desenvolvimento humano, e uma tentativa de convergência para o desenvolvimento sustentável.
Como vai acompanhar a Rio+20, como governo, como acadêmico?
Atualmente, eu trabalho no governo, vou estar na delegação brasileira como governo. Mas é lógico que minha cabeça é de cientista.
Qual seria o grande legado que poderia ficar da Rio+20?
Eu acho que assim como em Johanesburgo em 2002 [Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável] foram definidos os grandes objetivos de desenvolvimento social - os Objetivos do Milênio - eu acho que um grande acordo global em relação a objetivos, metas de desenvolvimento sustentável seria muito importante. Isso como um resultado básico. Que se concorde com um número pequeno e finito de objetivos globais e que todos os países ali presentes, assim como concordaram 10 anos atrás em atingir alguns objetivos de desenvolvimento humano social, que concordassem em atingir alguns objetivos em uma escala de tempo razoável de 10 a 20 anos de desenvolvimento sustentável. A diferença de um objetivo econômico de um objetivo meramente social é que você tem que entrelaçar. Não se separa a dimensão ambiental, da social e da econômica. São todos objetivos entrelaçados. O mínimo que eu espero da Rio+20 é que se conclua com objetivos, métricas verificáveis e que todos os países passem a ter programas nacionais de implementação desses objetivos. Isso não é nenhuma decisão de implementação de alguma coisa prática, são só os objetivos. Eles têm que ser amplos, têm que olhar várias dimensões, dar ligação do uso sustentável aos recursos naturais com erradicação de pobreza, com equidade e distribuição da riqueza, junto com a melhoria dos indicadores sociais também.
Existe hoje um debate muito grande sobre se um resultado importante da Rio+20 deveria ser a criação de uma Organização Mundial de Meio Ambiente. A diplomacia brasileira tem ido mais na direção de um Conselho de Desenvolvimento Sustentável na ONU, não uma organização como é a Organização Mundial de Saúde; ou do Trabalho; ou do Comércio. A minha proposta é mais ousada - mas é uma proposta minha, não é algo que tenha tido muita discussão. Eu acho que o PNUMA [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente] e o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] deveriam ser fundidos em um programa só. Isso não está sendo nem discutido, mas eu gostaria que houvesse junção desses dois programas e se tornasse uma organização mundial de desenvolvimento sustentável.
Qual sua opinião sobre o texto base da Rio+20?
O rascunho zero é um texto base como uma coleção de posições de quase 200 países. É um trabalho difícil de costurar. É a natureza deste trabalho diplomático de costurar consensos em relação a múltiplas e acima de 100 diferentes propostas. Não é um trabalho simples. É um trabalho de muita habilidade diplomática e de negociação. O rascunho 1, que começa agora a sair, já é um pouco mais conciso, mas é lógico que nós estamos aqui em quase primeiro de maio e o prazo está se extinguindo, mas o rascunho 1 para o texto que vai chegar na Rio+20 tem um enorme trabalho diplomático e eu ainda sou otimista de que o texto vai convergir em direção a alguns grandes consensos, quiçá, um número finito de objetivos de desenvolvimento sustentável e métricas que possam ser implementadas em nível nacional, regional e global nos próximos 10 a 20 anos, e quem sabe uma convergência sobre o mecanismo de governança em nível internacional, um conselho ou um organismo. Esse não é um jogo que termina antes do dia 22 de junho.
Mudou no meio científico o interesse pela questão ambiental?
Aumentou muito o interesse da comunidade científica em questões amplas de desenvolvimento sustentável. A comunidade cientifica não se divide muito. Não há uma comunidade cientifica da área ambiental e uma da área de desenvolvimento. A comunidade cientifica está na frente desse debate.
No apoio da comunidade cientifica às discussões sobre o Código Florestal, você vai ver que não houve uma comunidade cientifica com viés ambiental ou uma comunidade cientifica com viés agronômico, econômico, desenvolvimentista. Isso não aconteceu. O que aconteceu foi um enorme apoio da comunidade científica - representada por suas organizações SBPC e Academia Brasileira de Ciências - a um modelo de desenvolvimento sustentável para a agricultura brasileira, com preservação e conservação dos nossos recursos naturais. Essa proposta, essa posição muito forte da comunidade cientifica brasileira, é uma posição em prol do desenvolvimento sustentável. E desenvolvimento sustentável é, na verdade, a busca do equilíbrio. Desde o início, a comunidade cientifica adotou o mote do desenvolvimento sustentável como algo que a ciência deveria desenvolver as bases.
Nesses 20 anos que separam a Rio 92 da Rio+20, aumentou a força dos cientistas?
É muito maior. Tanto é que tudo que a Convenção do Clima avançou e está propondo é baseado na melhor ciência. Muitas coisas têm avançando em nível, pelo menos, das propostas da Convenção do Clima, da Biodiversidade. Todas as convenções ambientais e de desenvolvimento sustentável são baseadas na melhor ciência. Muitas vezes essa melhor ciência não é implementada. Às vezes, não é aprovada em nível global, como foi em Copenhague [2009], ou às vezes mesmo aprovada em nível global não tem repercussão em nível local como, por exemplo, há o fato de a maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, terem aprovado o Protocolo de Kyoto em 1997, mas o Congresso americano nunca o ratificou. Então, quer dizer que mesmo com a política global que vai na direção em que a ciência aponta como política pública necessária, às vezes, um país ou um Congresso de um país, não vai naquela direção.