Vivendo no norte do Mato Grosso há 19 anos, Seu Daniel quer produzir sem agredir o Meio Ambiente

setembro, 05 2011

Alguns produtores na Amazônia reconhecem o valor da floresta em pé e lutam pela implantação de outro modelo econômico. O paranaense Daniel Lorestes da Silva, 46, é um deles.
Por Jorge Eduardo Dantas

No interior da Amazônia, existe um grande desafio imposto aos pequenos produtores rurais daquela região: conciliar sua vocação agrícola com a manutenção das florestas. Por questões econômicas, muitos agricultores recorrem ao manejo do gado, o que contribui com o aumento do desmatamento e põe em risco os recursos amazônicos.

Alguns produtores, no entanto, reconhecem o valor da floresta em pé e lutam pela implantação de outro modelo econômico. Um dos que “comprou esta briga” foi o paranaense Daniel Lorestes da Silva, 46. Residente no norte do Mato Grosso desde 1992, “Seu Daniel”, como é conhecido, investe hoje na estruturação de um sistema agroflorestal (SAF) dentro de sua propriedade, com o objetivo de aliar a conservação de árvores típicas com a produção agrícola. Este trabalho está sendo desenvolvido desde o primeiro semestre de 2011 e conta com o apoio do WWF-Brasil e da empresa Mapsmut – Tecnologia, Natureza e Sociedade.

 Os sistemas agroflorestais (SAF’s) são um novo modelo produtivo que vem sendo considerado uma solução sustentável para a agropecuária nas regiões tropicais. Eles são caracterizados pela associação de árvores, arbustos, cultivos agrícolas e possível criação de animais de maneira simultânea ou em intervalos de tempo regulares numa mesma área. Com a presença de várias espécies diferentes num mesmo perímetro, o SAF reproduz o ecossistema florestal e reduz os danos ambientais às espécies arbóreas e aos solos da região em que é implantado, além de diversificar a produção rural.

“O veneno mais atrapalha do que ajuda”

As árvores presentes nos sistemas agroflorestais garantem uma série de benefícios ao Meio Ambiente, como a proteção do solo contra a erosão, o incremento da produção da matéria orgânica, a conservação da água e a menor proliferação de pragas e espécies invasoras. Quando as espécies são trabalhadas de forma adequada e com apoio técnico profissional, também é possível promover a manutenção da biodiversidade local, do microclima da região, proteger a área contra queimadas e gerar renda.

“Meu objetivo, desde o início, foi reduzir o uso de agrotóxicos na minha propriedade”, explicou seu Daniel. Segundo o agricultor, os materiais químicos utilizados por ele no manejo de suas lavouras trouxeram prejuízos ao longo da última década. “No longo prazo, o veneno mais atrapalha do que ajuda. Acaba com as plantas, com o solo, prejudica tudo. Quero parar de utilizar este recurso”, contou.

A fazenda de seu Daniel tem 19 anos de existência e se chama, por conta da distância dos grandes centros, “Morro ‘Adeus, Mamãe”. A propriedade rural fica no município de Apiacás, extremo norte do Mato Grosso, a 953 quilômetros de distância de Cuiabá. Sua área total é de 130 hectares ali são plantadas, entre outras culturas, milho, café, mandioca e arroz. A mais importante atividade produtiva hoje na fazenda é a produção do cupuaçu, que ocupa 5 hectares. Na última safra, seu Daniel obteve 8,5 toneladas de polpa desta fruta, que foram vendidas a uma indústria do município vizinho de Sinop.

Etapas iniciais

A proposta de SAF levada pelo WWF-Brasil e MapsMut ao agricultor consiste na instalação de um SAF irrigado que, como o próprio nome indica, consiste no manejo racionalizado da terra junto à utilização de sistemas de irrigação.

O SAF foi implantado inicialmente numa área de 0,5 hectare. Entre as primeiras ações do projeto, executadas no fim do primeiro semestre, constaram a construção de cercas na área trabalhada, limpeza de área para o cultivo, abertura de valas, instalação de rede hidráulica, preparação da terra e do adubo orgânico. “Como o solo da propriedade é muito ácido, vamos utilizar calcário para neutralizar essa característica e dar mais nutrientes às plantas”, explicou o engenheiro agrônomo Glaucinei Brissow, técnico responsável pela implantação e monitoramento desse sistema agroflorestal.

Glaucinei afirmou ainda que várias culturas foram contempladas neste primeiro estágio do trabalho. “Como o Seu Daniel tem uma demanda de produção para comercialização, trabalhamos de forma simultânea com culturas que dão resultado mais rápido, como a abobrinha e o quiabo, que em 45 dias já podem ser colhidos; com outras de médio e longo prazo como a melancia, que é colhida após 80 ou 90 dias de sua plantação”, explicou. Serão plantados nos próximos dias açaí, ingá, cupuaçu, seringueira, copaíba, aroeira, cajazinho e peroba, entre outros espécimes agrícolas e florestais.

Próximos passos

Segundo o analista de conservação do WWF-Brasil, Samuel Tararan, a idéia é que o modelo implantado na propriedade de seu Daniel sirva como exemplo para outros pequenos produtores rurais da região. “É muito difícil falar em desenvolvimento sustentável sem exemplos reais e concretos acontecendo. Nosso objetivo é transformar a propriedade de Seu Daniel numa referência e replicar esse modelo em outras pequenas propriedades na área”, disse.

“A questão da irrigação tem sido muito útil para mim. Nos últimos sete anos, plantei milho, mandioca, café e cupuaçu, mas com muitas dificuldades. Nosso solo é seco e sempre perdi uma grande parte das minhas plantações por conta do intenso calor”, disse Daniel. As primeiras colheitas do projeto vão ocorrer já no mês de setembro e o sistema de irrigação será desligado nos próximos meses, pois a partir de outubro já se inicia o período da chuva na região. A idéia é que o sistema seja ligado novamente em meados do ano que vem, quando a seca voltar. As etapas finais do projeto apoiado pelo WWF-Brasil estão previstas para ocorrer em março de 2012, com análise de resultados e consolidação de relatórios.

“Quero garantir a minha produção, mas sem agredir o Meio Ambiente. Não cuidava bem da minha terra e paguei o preço por isso. Quero aliar a preservação dessas matas com a produção que me permita gerar renda e viver bem com a minha família”, declarou o agricultor.

Atuação mais ampla

Este não é o único projeto de SAF apoiado pelo WWF-Brasil no noroeste do Mato Grosso. No município de Cotriguaçu, a 685 quilômetros de Cuiabá, nove famílias do Projeto de Assentamento (PA) Juruena desenvolvem trabalhos semelhantes. Em Apiacás a Associação Regional de Apicultores da Amazônia Apiacaense (Arapama) também recebe o suporte da instituição. E, entre 9 e 10 de setembro, será realizado na cidade um treinamento técnico em sistemas agroflorestais voltados para pequenos agricultores da região. O treinamento irá contar com aulas práticas e teóricas. As aulas práticas ocorrerão exatamente na propriedade do seu Daniel, utilizando como referência as etapas da implementação do projeto de SAF, estimulando o planejamento rural, o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis e a recuperação de áreas degradadas.

Seu Daniel (de branco) mostra ao engenheiro Glaucionei Brissow as mudas de abóboras que serão plantadas em seu projeto de SAF.
Seu Daniel (de branco) mostra ao engenheiro Glaucionei Brissow as mudas de abóboras que serão plantadas em seu projeto de SAF.
© WWF-Brasil / Jorge Eduardo Dantas
Seu Daniel mostra aos técnicos contratados pelo WWF-Brasil os detalhes de seus sistema de irrigação.
Seu Daniel mostra aos técnicos contratados pelo WWF-Brasil os detalhes de seus sistema de irrigação.
© WWF-Brasil / Jorge Eduardo Dantas
O sistema de irrigação na propriedade de Seu Daniel em funcionamento.
O sistema de irrigação na propriedade de Seu Daniel em funcionamento.
© WWF-Brasil / Jorge Eduardo Dantas
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