Organizações indígenas da Bacia Amazônica discutem meio ambiente e saberes ancestrais

agosto, 17 2011

Evento ocorre em Manaus (AM) até esta quinta-feira (18)
Mudanças climáticas, áreas protegidas e “economia verde”, inclusive o potencial mercado de carbono e seus riscos, são alguns dos temas que estão sendo tratados no “Grande Encontro Panamazônico – Saberes ancestrais, povos e vida plena em harmonia com as florestas” . O evento, um fórum interinstitucional de lideranças indígenas de vários países, ocorre em Manaus (AM) de15 a 17 de agosto e vai discutir assuntos que afetam os povos indígenas de toda a região amazônica.

Participam do evento cerca de 110 lideranças, além de representantes de organizações ambientalistas, de órgãos governamentais que trabalham na Amazônia e representantes da cooperação internacional. As entidades responsáveis pelo Grande Encontro são a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica, no original em espanhol), que coordena a atuação pan-amazônica integrada, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que recebe o encontro. As duas instituições buscam debater, com os grupos indígenas de cada país amazônico, assuntos como “REDD+”, a chamada “Economia Verde” e a iminência da Rio+20.

O titular da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), Edwin Vásquez, afirmou na abertura do encontro que a discussão sobre os temas será feita sem fugir das cosmovisões indígenas e sem “importar” conceitos de outros povos. “Não há discussão possível sobre “REDD+” sem reconhecimento dos direitos coletivos e dos territórios dos indígenas”, falou. O rondoniense Almir Suruí, que em 2008 ganhou um prêmio da Sociedade Internacional dos Direitos Humanos pela defesa intransigente de seu povo, defendeu os processos sob liderança dos indígenas, como é o caso de sua experiência.

O assessor técnico da Coica, Roberto Espinoza, afirmou que a princípio não interessa aos indígenas discutir carbono ou “REDD+, mas sim discutir os planos de vida dessas populações. Se nestes estiver a perspectiva de Redd, então deve-se buscar essa alternativa, afirmou.

Os objetivos do encontro são atualizar as posições pan-amazônicas indígenas frente às evoluções da realidade e  se preparar para os eventos internacionais. Entre este ano e o próximo ocorrerão  a CoP-17 da Convenção das Mudanças Climáticas, Durban 2011, na  África do Sul; a Rio+20, em 2012, a CoP-11 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), Hyderabad 2012, n Índia; e o Congresso Mundial de Conservação, da UICN, Jeju 2012, na Coréia do Sul. 

A programação do encontro inclui  painéis, grupos de trabalho, manifestações culturais e também  uma manifestação dos povos panamazônicos contra a Usina de Belo Monte. Participam do evento lideranças indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Ao final do encontro, será divulgada uma carta de princípios que trará o posicionamento dos povos indígenas da Bacia Amazônica com sua visão sobre alguns dos temas tratados ao longo da semana.

WWF no Grande Encontro

O líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF, Cláudio Maretti, explicou que o encontro é muito importante para quem luta pela conservação ambiental, em particular no caso da Amazônia. “Os povos indígenas são  atores de destaque quando se fala em conservação da Amazônia e da biodiversidade desta região. Eles têm direito aos recursos da terra, e têm uma visão culturalmente diferenciada e um papel fundamental no destino do Amazônia”, afirmou o especialista.

Maretti comentou que, além do respeito aos seus direitos coletivos e interesse em aliança com eles pelo futuro da Amazônia, a Rede WWF tem possibilidade de colaboração em alguns temas específicos, como: discutir e construir princípios de salvaguardas para as populações indígenas quando se fala da redução de emissões por desmatamento e degradação dos ecossistemas (Redd) e mudanças climáticas; discutir e consolidar conceitos relacionados a terras indígenas na discussão sobre áreas naturais protegidas; e debater impactos de grandes obras de infraestrutura e energia – como hidrelétricas e estradas – que afetam os povos indígenas da Amazônia.

A discussão de salvaguardas para as populações indígenas diz respeito a uma série de conceitos e medidas que devem ser estruturados para garantir a integridade física, social, cultural e territorial dos povos indígenas em situações polêmicas ou controversas.

O coordenador da estratégia de Valorização dos Ecossistemas da Iniciativa Amazônia Viva, André Silva Dias, identificou que, em muitos casos, as vantagens dos mecanismos de comércio de carbono podem se concentrar nos intermediários, nos governos ou mesmo nas indústrias que os utilizam como mecanismos de compensação; às vezes trazendo até prejuízos a comunidades locais, como conflitos sociais e perda de terras, por exemplo. “O uso de salvaguardas sociais e da biodiversidade pode diminuir tais riscos”, disse o especialista.

Para o representante da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Gonzalo Oviedo, as áreas protegidas são um dos instrumentos mais importantes para a conservação da natureza. A não consulta aos povos indígenas sobre sua criação, a falta de espaço para participação deles na sua gestão e conflitos com os direitos tradicionais indígenas estão entre os problemas que estão ocorrendo. Mas, segundo ele, a existência ou potencial de áreas protegidas apresenta também oportunidades interessantes aos próprios indígenas, mas deve haver uma reforma das regras legais para que os sistemas de áreas protegidas reconheçam os direitos coletivos dos indígenas.

As obras de infraestrutura que afetam ou prejudicam os povos indígenas nos países da Pan-Amazônia é outro assunto que será discutido no encontro. A Iniciativa do WWF tem atenção sobre o caso da estrada Vila Tunari–San Ignacio Moxos, na Bolívia, uma rodovia de 306 quilômetros que cortará o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure (Tipnis). A estrada está orçada em U$ 415 milhões, sendo U$ 332 milhões financiados pelo Brasil (por meio, sobretudo, do BNDES). A obra se encontra em fase inicial de construção e já recebeu a negativa de três etnias indígenas bolivianas que terão suas terras afetadas pela obra.

Igualmente, as hidroelétricas, como as inúmeras previstas para a bacia hidrográfica do Tapajós, no Brasil, tem a tendência de afetar também as unidades de conservação (áreas protegidas de natureza) e terras indígenas. É fundamental que o planejamento estratégico e de cada obra específica considere as melhores alternativas, se integre em planos setoriais de outras áreas (como no caso da conservação da biodiversidade), minimize ao máximo os impactos sociais e ambientais, inclusive com medidas preventivas anteriores à obra, e empregue medidas compensatórias adequadas.

Parceiros panamazônicos

Segundo Maretti, a Iniciativa Amazônia Viva desenvolve trabalho em conjunto com a Coica, por meio do WWF-Peru, há alguns anos. A Rede WWF apóia o planejamento estratégico da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, auxiliando a entidade a se organizar, focar esforços e definir linhas de ação.

Liliana Lozano, do WWF-Peru, contou que o projeto atual junto a Coica já tem três anos e vai durar até o fim de 2012. “Além disso, também temos trabalhos conjuntos que foram desenvolvidos dentro de uma abordagem mais técnica. Por exemplo: ajudamos a organização quando ela discutiu Redd e decidiu definir seus princípios e diretrizes para lidar com este tema”, contou a técnica.

Segundo Liliana, reforçar a parceria WWF-Coica significa transformar as questões indígenas em assunto de agenda das grandes organizações globais. “A Coica dialoga com a Organização das Nações Unidades (ONU) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo. Ao reforçarmos e ampliarmos essas parcerias, nosso objetivo é fazer com que os problemas indígenas sejam discutidos no mundo inteiro, contribuindo com a busca de soluções para a conservação da Amazônica e a pela execução das metas globais do WWF de redução do desmatamento”, explicou.

Plateia do Grande Encontro Panamazônico.
Plateia do Grande Encontro Panamazônico.
© Coiab/Diego Janatã (divulgação)
O cacique Raoni, liderança indígena mundialmente conhecida, palestra na abertura do Grande Encontro Panamazônico.
O cacique Raoni, liderança indígena mundialmente conhecida, palestra na abertura do Grande Encontro Panamazônico.
© Coiab/Diego Janatã (divulgação)
Estebancio Castro Diaz fala sobre processos globais e sua incidência sobre as populações indígenas no evento.
Estebancio Castro Diaz fala sobre processos globais e sua incidência sobre as populações indígenas no evento.
© WWF-Brasil/Jorge Eduardo Dantas
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