Finalmente, bons resultados para a biodiversidade na COP 10
outubro, 29 2010
O resultado mais esperado para a COP 10 da biodiversidade foi alcançado. Países fazem acordo nos três principais temas: Plano Estratégico, protocolo de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade e estratégia de mobilização de recursos financeiros.
Ligia Paes de Barros, de NagoiaWWF-Brasil
Não foi fácil, mas o acordo tão esperado para a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica foi alcançado. As negociações se estenderam até a madrugada do sábado (2h) em Nagoia e deixaram os participantes com grandes expectativas até o último minuto. Enfim, o anúncio das decisões finais pelo presidente da COP 10 e ministro do Meio Ambiente do Japão, Ryu Matsumoto, causou alívio e satisfação entre os presentes.
O motivo da satisfação foi um acordo dos países em torno dos três principais temas reivindicados para decisão nesta Conferência: o protocolo de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS na sigla em inglês) com os aspectos principais contemplados, um Plano Estratégico para o período 2011 - 2020 relativamente ambicioso de redução da perda de biodiversidade para a próxima década e uma sinalização de recursos financeiros para a implementação das ações de conservação.
“Conseguimos um bom acordo que demonstrou bastante vontade política por parte dos países para a conservação da biodiversidade”, afirmou a secretária-geral do WWF-Brasil, Denise Hamú. “Esperávamos mais em algumas metas ou decisões, mas agora, o mais importante é que os países façam a sua parte do acordo, conforme combinado, até 2020”, completou Hamú.
Para o superintendente de Conservação do WWF-Brasil, Cláudio Maretti, o papel de alguns países foi crucial para o resultado positivo da Conferência. “O Japão, como anfitrião desta COP, contribuiu bastante para as negociações avançarem, exercendo com autoridade a presidência, chamando as partes à negociação e propondo opções, e até com o anúncio da disponibilização de recursos”, afirmou Maretti. “O Brasil também merece elogios pela vontade política de negociação e por fim, a flexibilidade da União Europeia, dos países africanos e dos países megadiversos em alguns aspectos também foi importante para o alcance do acordo”, afirmou Maretti.
Repartição dos benefícios da biodiversidade
O acordo em torno do protocolo que regulamenta o acesso e a repartição dos benefícios gerados pelos recursos genéticos da biodiversidade entre os países foi o maior êxito da COP 10 da CDB.
Apontado desde o princípio como o principal desafio para as negociações internacionais, o tema ficou indefinido até o último momento. Depois de muitas reuniões, os países concordaram, apesar de algumas insatisfações que não impediram o acordo, em um documento que contempla os aspectos considerados fundamentais para decisão nessa conferência. A forma de conseguir um acordo foi reduzir detalhamento, mas assegurar os princípios e os enfoques adequados.
Um dos pontos mais polêmicos do protocolo, os chamados “derivados” dos recursos genéticos - elementos produzidos a partir dos recursos genéticos, com valor econômico alto – foram incluídos no protocolo, mas a operacionalização desse conceito não será tão simples. A utilização dos recursos genéticos consta no texto, também de forma tortuosa.
Outro aspecto polêmico foi o controle do cumprimento do acordo. Esse aspecto foi definido superficialmente, favorecendo mais o interesse dos países em desenvolvimento, geralmente provedores desses recursos genéticos. Um dos pontos que ficou subentendido é que para a aceitação de patentes, além de outros processos, produzidos a partir de tais recursos genéticos, há responsabilidade de verificar se as leis nacionais, tanto dos países fornecedores de biodiversidade como dos usuários dela, estarão sendo respeitadas. O Protocolo é essencialmente baseado nos processos dentro de cada país.
“Os itens fundamentais para que o protocolo de ABS possa ser implementado foram definidos”, afirmou Maretti. “O mais importante é que os países trabalhem suas legislações nacionais sobre o tema e continuem aprimorando o protocolo em outras reuniões”, ressaltou.
Plano Estratégico 2011 – 2020
Um bom Plano Estratégico para a redução da perda de biodiversidade, documento considerado o mais importante da COP 10 por definir as ações que os países terão que implementar até 2020, foi alcançado na 10ª COP da CDB. Depois de muitos impasses, o documento refletiu a diplomacia e flexibilidade de todos os países: aqueles que defendiam metas mais ambiciosas e, principalmente, os que resistiam em aprovar comprometimentos muito fortes.
Duas conquistas significativas do Plano foram a inclusão no documento final do valor da biodiversidade nas contas públicas dos países e a redução de subsídios destinados a atividades consideradas prejudiciais e degradantes da biodiversidade. Além disso, foi definida uma diretriz de redução da exploração inadequada dos recursos pesqueiros e hídricos.
No que se refere à missão do Plano Estratégico, que define o nível de ambição geral do documento, o acordo ficou indefinido até o último momento. Com conflitos de interesses entre países que defendiam zerar a perda de biodiversidade até 2020 e outros que pediam uma missão de tomar ações efetivas e urgentes para zerar a perda de biodiversidade no mesmo período, a decisão final anunciada na plenária final representa uma combinação das duas opções.
O outro aspecto polêmico do Plano Estratégico era a meta que aborda a redução da conversão de habitats (destruição de áreas naturais), incluindo o desmatamento. Conforme apresentado na plenária, a meta final ficou definida em diminuir pelo menos pela metade a taxa de conversão de habitats e desmatamento, e onde possível, reduzir a zero.
“Esse cenário não é o que gostaríamos. Seria muito importante para o Brasil, principalmente, ter metas mais efetivas para zerar a perda de biodiversidade e o desmatamento”, apontou a secretária-geral do WWF-Brasil. “Ainda assim, o Brasil tem compromissos internos sobre esses temas que se forem cumpridos devidamente, representarão um grande avanço para a biodiversidade do país. Devemos agora esperar que o Brasil faça sua ‘lição de casa’ e desenvolva uma estratégia nacional de implementação da CDB”, apontou Denise Hamú.
Áreas protegidas
Com relação à porcentagem dos territórios que serão conservados em áreas protegidas, o resultado também foi o caminho do meio, que já representa um progresso importante nesse tema em comparação com as metas definidas para 2010.
O resultado anunciado foi que 17% das áreas terrestres dos países terão que ser destinadas a áreas protegidas; área maior que os 10% definidos para 2010, mas não avança muito em relação à média mundial atual de quase 13%. Nas áreas marinhas, o percentual destinado a áreas protegidas permaneceu o mesmo que o estabelecido para 2010, que é de 10%.
“No cenário dos debates, com países, como a Malásia, a China ou alguns países africanos, querendo diminuir as porcentagens dramaticamente, essa porcentagem pode ser considerada ambiciosa. E essa meta de proteção marinha acaba sendo realista pois a média mundial de todos os oceanos atualmente é de pouco mais de 1%”, afirmou Maretti. “O ideal seria conseguirmos 20% de proteção em áreas terrestres e marinhas, mas esse resultado ainda é muito positivo”, ressaltou ele.
Financiamento para conservação da biodiversidade
As decisões sobre a mobilização de recursos financeiros também estiveram entre as menos unânimes em Nagoia. Muitos países em desenvolvimento, principalmente sul-americanos, africanos e do sudeste asiático, não ficaram satisfeitos com o compromisso assumido pelos países desenvolvidos em relação às doações que farão para financiar ações de conservação da biodiversidade. Isso se deve ao fato de que essa dívida se arrasta há mais de 20 anos.
O anúncio pelo governo do Japão da doação de 2 bilhões de dólares (EUA) até 2013, ajudou no alcance do acordo. Além disso, outro ponto positivo foi a definição de que até 2012 os países finalizem um plano de financiamento claro e efetivo para o restante da década.
O texto final aprovado aponta que a mobilização de recursos financeiros para a implementação efetiva do Plano Estratégico 2011 a 2020 deve aumentar significativamente, mas a meta deve ser definida depois de avaliações adequadas que os países apresentarão sobre suas necessidades financeiras, na próxima COP, em 2011.
“O ideal agora é que os países desenvolvidos facilitem o acesso dos países em desenvolvimento a esse dinheiro já anunciado, ou outros novos, para que estes consigam fazer um levantamento das suas demandas até 2020”, afirmou Cláudio Maretti. Esse levantamento mencionado pelo superintendente auxiliará na definição do plano de financiamento em 2012 com valores realistas para a implementação do Plano Estratégico para 2020 de redução da perda de biodiversidade.
“Outro compromisso que os países, inclusive o Brasil, devem assumir é o aumento dos orçamentos nacionais para o ministério do Meio Ambiente e especificamente para as áreas protegidas. O Brasil não pode mais depender apenas de recursos externos”, apontou Maretti.
Balanço geral
Depois de duas semanas de muito trabalho, a biodiversidade do planeta foi beneficiada com o acordo alcançado em Nagoia. Os resultados dos documentos acordados entre os países representam avanços para a conservação e uso sustentável da biodiversidade e, principalmente, para a população mundial, que usufrui dos inúmeros benefícios que ela oferece.
Porém, é preciso lembrar que se o acordo alcançado na COP 10 no Japão não for levado a sério e tratado como prioridade pelos 193 países membros da Convenção sobre Diversidade Biológica, ele não trará as mudanças necessárias que o mundo precisa.
“É um momento de comemoração, sem dúvida, a biodiversidade recebeu a atenção e a dedicação que merece nessa COP”, afirmou o superintendente de Conservação do WWF-Brasil. “Mas este também é um momento de cuidado e de ficarmos atentos para cobrar que os países implementem esses acordos nacional e localmente”, concluiu Maretti.