setembro, 10 2010
por Aldem Bourscheit
Os mais de 50 mil focos de incêndio registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre janeiro e agosto tornaram o Brasil líder mundial em queimadas e distribuíram prejuízos ambientais e econômicos. O Cerrado foi especialmente afetado, afinal, 22 mil focos (44% do total) no período ocorreram apenas no Mato Grosso, Tocantins e Goiás – três dos oito estados alcançados pelo bioma. Conforme o Inpe, a quase totalidade dos incêndios se deve à limpeza de pastos, preparação da terra para cultivos, desmatamentos, colheita manual de cana e vandalismo.
Esses dados oficiais agravam a situação do segundo maior bioma brasileiro, que já perdeu metade da vegetação original e vê seus remanescentes sofrerem com alto grau de fragmentação, ou seja, as parcelas de florestas, campos e outras formações naturais que sobrevivem estão cada vez menores e mais isoladas entre si. Isso prejudica a conservação de animais e de plantas com importância ecológica e econômica e até a saúde de nascentes, rios e córregos fundamentais para o abastecimento público de água, geração de energia e manutenção do agronegócio.
Três das maiores bacias hidrográficas da América Latina nascem em porções elevadas do Cerrado, as dos rios Tocantins, São Francisco e da Prata. Conforme o professor e vice-diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Donald Sawyer, cerca de nove em cada dez brasileiros consomem energia gerada com águas do Cerrado, cujo dia nacional é 11 de setembro.
Todavia, desde 2002 pelo menos 14.200 quilômetros quadrados de Cerrado são desmatados todo ano, principalmente para a expansão desordenada da agricultura e da pecuária e para a produção de carvão. Essas perdas tornam as emissões anuais de gases de efeito estufa do bioma semelhantes às oriundas do desmatamento da Amazônia, e levaram o governo brasileiro a incluir o Cerrado no plano nacional sobre mudanças do clima, projetando reduzir em 40% seu desmatamento até 2012.
A situação do bioma se complica pela ampla possibilidade de desmatamento legal em propriedades rurais. No Cerrado, a legislação permite a derrubada de oito em cada dez hectares, enquanto que na Amazônia o índice é exatamente o contrário, apenas dois em cada dez hectares podem ser desmatados.
Além disso, somente 7,5% dos mais de dois milhões de quilômetros quadrados do Cerrado estão em Unidades de Conservação (UCs), e a maioria de uso sustentável, como áreas de proteção ambiental (APAs). Áreas de proteção integral ainda são poucas, como os parques nacionais Grande Sertão Veredas (84.000 ha), da Chapada dos Guimarães (33.000 ha), da Chapada dos Veadeiros (60.000 ha), de Brasília (28.000 ha), da Serra da Canastra (71.525 ha) e das Emas (131.832 ha). Recentemente, os dois últimos foram quase que totalmente queimados.
Ainda visto como vegetação de pouco valor que pode ser eliminada para dar espaço ao desenvolvimento, o Cerrado é uma das 35 regiões prioritárias para a conservação da Rede WWF. Afinal, estima-se que ele abrigue dez mil espécies de plantas diferentes (muitas usadas na produção de cortiça, fibras, óleos, artesanato, além do uso medicinal e alimentício), 759 espécies de aves, 180 espécies de répteis, 195 de mamíferos – incluindo 30 tipos de morcegos. E o número de insetos é surpreendente. Só no Distrito Federal há 90 espécies de cupins, mil espécies de borboletas e 500 tipos de abelhas e vespas.
Para o WWF-Brasil, as principais causas da degradação do Cerrado podem ser contidas com ações como o maior controle do poder público nos processos de licenciamento e na fiscalização. Além disso, é preciso promover uma nova visão da economia nas propriedades rurais, incluindo agropecuária, atividades florestais e compensação por serviços ecológicos.
“Os esforços do governo no monitoramento e controle do desmatamento da Amazônia são louváveis. Esses esforços devem ser expandidos e fortalecidos em todos os biomas, e urgentemente para o Cerrado. Valorizar, estudar e proteger a nossa diversidade biológica e paisagens naturais é estratégico para o país”, afirmou Denise Hamú, secretária-geral do WWF-Brasil.
“Reconhecemos a importância da produção no Cerrado para o Brasil, mas essas atividades econômicas devem estar atreladas ao cumprimento da legislação ambiental e avançar em práticas que protejam a água e o solo, por exemplo. Além disso, é necessário aumentar a eficiência da produção e do uso da infraestrutura para reduzir a pressão sobre os remanescentes do Cerrado”, comentou o coordenador do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil, Michael Becker.
Já aprovada no Senado, uma proposta de emenda constitucional que dá status de patrimônio natural brasileiro ao Cerrado e à Caatinga aguarda análise da Câmara dos Deputados. A medida deve reforçar políticas de preservação e recuperação dos dois biomas. Já são patrimônios naturais do país a Mata Atlântica, o Pantanal, a Amazônia, a Serra do Mar e a Zona Costeira.
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