Negociações do protocolo de ABS prometem gerar polêmica na COP 10

03 setembro 2010

Academia ressalta a complexidade da negociação sobre o tema no nível internacional. Ministro do MRE aponta que Brasil não irá aprovar Plano Estratégico ambicioso sem assinatura do protocolo de Acesso e Repartição justa e igualitária de benefícios dos recursos genéticos.
Por Ligia Paes de Barros
WWF-Brasil


Só o nome já é complicado: acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos, ou ABS, do inglês access and benefit sharing. Imagine, então, a complexidade das negociações em torno do tema durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10/CDB).

Em resumo, o que se pretende na COP 10 sobre o assunto é alcançar consenso entre os países signatários da CDB que são provedores de recursos genéticos (um dos recursos da biodiversidade) e os países usuários desses recursos sobre como será o acesso a tais recursos e como serão repartidos seus benefícios.  Se o consenso esperado for alcançado, será assinado um protocolo com peso de lei que regulamenta esse acordo. 

Para o Brasil, país rico em biodiversidade e historicamente provedor de recursos genéticos, a assinatura do protocolo é prioridade na Conferência. Paulino de Carvalho Neto, chefe da divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE) deixou claro durante sua apresentação no seminário para jornalistas, organizado pelo WWF-Brasil, que o país não irá aprovar um Plano Estratégico da CDB com metas ambiciosas se um protocolo justo e igualitário de ABS não for assinado.

Paulino Carvalho Neto explicou que sem um acordo internacional não temos como obrigar que uma indústria farmacêutica estrangeira, por exemplo, que utilize uma planta daqui do país para fabricação de remédio, cumpra uma legislação brasileira e reparta os benefícios desse uso. Daí a importância de acordo internacional que regulamente o assunto.

Além desse exemplo, existem outras dificuldades apontadas pelo representante do MRE.  Aliado ao acesso ao recurso genético existe um conhecimento sobre o uso de tal recurso, como é o caso de comunidades tradicionais sobre plantas medicinais. A ideia é que a repartição de benefícios também “pague” por este conhecimento. O problema é que não é nada fácil definir qual o limite entre até onde vai a influência do conhecimento do pesquisador usuário para transformar tal recurso genético numa patente ou o quanto esse pesquisador se utilizou dos conhecimentos tradicionais sobre o uso de recurso adquiridos no país de origem. 

Posições distintas

Conforme explicou o professor Joaquim Machado, do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), outro ponto que dificulta as negociações é que existe um sentimento de dívida histórico por parte dos países provedores  - que tem recursos oriundos da biodiversidade e que foram explorados desde o tempo da busca pelas especiarias na Índia - e que querem ser recompensados. O professor ainda apontou que, por outro lado, existe uma postura dos países usuários de recursos genéticos de desdém em relação ao “produto” dos países provedores. Esse "desdém" teria o objetivo de  amenizar as regras em torno do acesso ao recurso.

“Começamos a perceber que, por alguma razão, há um comportamento exageradamente ‘lobístico’ na defesa de interesse de ambas as partes e isso às vezes me lembra facções radicais que não reconhecem valor do outro e só querem criar conflito”, afirmou Machado.

Mesmo dentro do Brasil, a questão não é unânime. Uma vez que a agricultura brasileira utiliza recursos genéticos advindos de outros países, tal como a soja, há receio por parte desse setor que um protocolo internacional sobre o tema tenha um impacto forte nos custos da produção e, consequentemente, no preço desses alimentos dentro do país.

A dificuldade da negociação parece não assustar o governo brasileiro. “É como um jogo de poker. Não podemos entrar na negociação achando que está tudo uma maravilha e deixar outros países fazerem o que querem, apontou Paulino de Carvalho Neto. “Colocamos a negociação em nível mais elevado ao exigir o protocolo e sabemos que é arriscado passar uma imagem de que o Brasil se negou a cumprir as metas de biodiversidade, mas temos que ser firmes”, aponta Paulino. 

Para Cláudio Maretti, a posição do governo é corajosa, mas “a não assinatura do protocolo não pode afetar o comprometimento do país em assumir metas ambiciosas para conservação de biodiversidade”.

Agora em setembro, acontece mais um encontro do grupo de trabalho de ABS da Convenção sobre Diversidade Biológica, do qual o Brasil vai participar, para debater o documento que será levado à COP 10 para tomada de decisão dos ministros. 

E enquanto a COP 10 da CDB não chega, vale lembrar as palavras de Bráulio Dias, diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que participou do primeiro dia do evento: “cabe a sociedade civil cobrar dos tomadores de decisão uma valorização significativa da biodiversidade”.

Valor da Biodiversidade

Vale destacar que a vida humana depende diretamente da biodiversidade. É ela que fornece alimentos, água, medicamentos, além de ser a fonte de muitas outras facilidades para a vida nas sociedades.

A biodiversidade tem um importante valor social, cultural e também econômico para os homens. Os frutos da biodiversidade não são somente os  produtos diretamente extraídos da natureza, mas uma gama muito ampla de produtos e serviços ecológicos, incluindo a redução das emissões de gases do efeito estufa, a capacidade de adaptação a eventos climáticos ou naturais, o potencial de descobertas de novos produtos industriais como os cosméticos, ou os medicamentos para nossa saúde.

Além disso devemos considerar também os serviços prestados que proporcionam as condições adequadas a uma vida saudável, como água e ar limpos, lazer e valor paisagístico e cultural.

Seminário para Jornalistas

O WWF-Brasil promoveu nos dia 1 e 2 de setembro de 2010, em São Paulo, o Seminário para Atualização de Jornalistas sobre Biodiversidade. O evento contou com a participação de 12 palestrantes do governo, universidades, ONGs e cerca de 20 jornalistas. O objetivo foi atualizar os profissionais sobre as questões mais relevantes sobre o tema da biodiversidade na atualidade. Veja os temas das palestras, as apresentações, perfis dos palestrantes e recomendações de leitura sobre o tema em www.wwf.org.br/seminario2010.

Saiba mais sobre valor da biodiversidade e repartição de benefícios em entrevista com Cláudio Maretti.
Seminário para jornalistas sobre biodiversidade - Setembro 2010
Para o professor Joaquim Machado (Unicamp), as negociações são dificultadas pelo sentimento de dívida por parte dos países provedores de recursos genéticos.
© WWF-Brasil / Marco Sarti
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