Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia

setembro, 08 2020

Estudo mostra que existem melhores modelos de desenvolvimento para ocupar áreas já desmatadas
Estudo mostra que existem melhores modelos de desenvolvimento para ocupar áreas já desmatadas

Por WWF-Brasil


Enquanto a matéria orgânica desmatada queima na Amazônia para dar espaço para o gado, um novo estudo mostra que sistemas agroflorestais, também conhecidos como agrofloresta, podem gerar benefícios superiores nas dimensões social, ambiental e também econômica. Os bons resultados foram obtidos na Reserva Extrativista Chico Mendes, no município de Xapuri/AC, onde o WWF-Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Acre, Embrapa Acre e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, testou dois modelos diferentes em duas áreas de solo distintas. Enquanto um deles empatou com o rendimento médio anual da soja, o outro obteve o dobro de lucratividade, comprovando que o desenvolvimento econômico no bioma, com geração de emprego e elevação de qualidade de vida, pode ser obtido com a floresta em pé.
 
A relação benefício-custo obtida no SAF 01 foi 1,6 –ou seja, para cada real investido, a família terá um retorno de R$ 1,60 ao final do ciclo produtivo. No caso do SAF 02, a relação é ainda maior: 2,3. A taxa de retorno no SAF 01 foi de 36,59% e de impressionantes 111,2% no SAF 02. O valor anual equivalente por hectare foi de R$ 1.949,61 no SAF 01 e de R$ 4.534,13 no SAF 02. O retorno do investimento é relativamente curto (em torno de dois anos) e a rentabilidade por hectare calculada para 20 anos é o dobro da soja, no caso de um deles, e equivalente, no outro. Em valores atualizados para hoje, o lucro por hectare verificado no SAF 01 foi R$ 22.361,83 e de R$ 52.006,12 no SAF 02.  Em suma, os dois sistemas produtivos estudados se provaram não apenas viáveis técnica e financeiramente, mas também bastante atrativos como alternativa de investimento. Um detalhe importante: a mão de obra representa a maior parte dos custos totais das áreas avaliadas, o que indica o alto potencial de geração de trabalho e renda desses sistemas, o que possibilita remunerar a mão de obra da própria família, com oportunidade de inclusão social e produtiva das mulheres e jovens residentes na zona rural.
  
Segundo Edegar de Oliveira Rosa, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, “este estudo mostra que existem outras alternativas de desenvolvimento para a Amazônia e ocupação de áreas já abertas, que conciliam o clima, e todo o seu potencial de produção, com um sistema com funções similares à da floresta nativa. Além dos benefícios ambientais, este sistema é mais inclusivo, fortalece a economia local e a segurança alimentar. Precisamos sair da lógica do desmatamento para pecuária. A floresta vale muito mais em pé e existem modelos melhores para ocupar as áreas já desmatadas”.
 
A restauração florestal com agroflorestas é uma importante alternativa de Inclusão social e produtiva na agricultura familiar, possibilitando geração de trabalho e renda, e proporcionando segurança alimentar e nutricional ao mesmo tempo em que promove a recuperação de áreas degradadas e a adequação ambiental dos estabelecimentos e posses rurais em conformidade com a legislação vigente. Além disso, contribui com a arrecadação de impostos, presta serviços ambientais como captura de carbono e conservação da água, do solo e da biodiversidade, valorizando o bem-estar humano e trazendo benefícios para toda a sociedade. O novo Código Florestal, de 2012, autoriza agricultores familiares a utilizar sistemas agroflorestais para restauração florestal das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal com fins econômicos. No caso do Acre, onde o estudo foi conduzido, o Programa de Regularização Ambiental regulamenta a restauração de passivos com finalidade econômica nas propriedades e posses familiares através de Sistemas Agroflorestais. 

Entre os fatores críticos para o sucesso de uma agrofloresta está o financiamento, uma vez que o retorno, embora rápido, acontece dois anos após os investimentos iniciais, e a assistência técnica. O fortalecimento das organizações associativas comunitárias também se constitui em importante estratégia para viabilizar a adoção das agroflorestas como proposta de desenvolvimento que alia inclusão social, produção diversificada e conservação dos recursos naturais. 
 
Descritivo dos experimentos
As duas agroflorestas analisadas foram implantadas em 2015 na Comunidade Altamira, Seringal Nova Esperança, envolvendo um grupo de 12 famílias associadas à CooperAcre (Cooperativa Central de Comercialização Agroextrativista do Acre) que participam de um projeto de fomento ao plantio de seringueira com objetivo de fornecer CVP (Cernambi Virgem Prensado) para a planta industrial da cooperativa, localizada no município de Sena Madureira/AC. A cooperativa foi responsável pelo apoio no preparo do solo e na aquisição e distribuição das mudas enxertadas de seringueira. O WWF-Brasil, através do PIS (Projeto Paisagens de Inovações Sustentáveis) no Acre, foi responsável pela realização de oficinas, intercâmbios e assistência técnica junto às famílias, em parceria com a Universidade Federal do Acre, Embrapa e Sema, bem como na aquisição de sementes de adubos verdes. As mudas de espécies arbóreas nativas foram produzidas no viveiro do Parque Zoobotânico da UFAC e também no viveiro temporário construído na comunidade com apoio do projeto.
 
O SAF 01 foi implantado em área degradada e compactada, com sinais de erosão e presença de plantas indicadoras de solos ácidos e pobres em nutrientes, como o sapé (Imperata brasiliensis), levando a família a introduzir adubos verdes na área. As quatro espécies utilizadas - feijão de porco, gergelim, margaridão e ingá de metro apresentaram crescimento vigoroso e produziram grande quantidade de biomassa, porém elevaram a demanda de mão de obra no sistema. Além da roçagem do feijão de porco e do gergelim, e das podas no margaridão e ingá de metro, a família também utiliza a roçadeira motorizada e aplicação de herbicida para controle da rebrotação da braquiária e outras plantas espontâneas que surgem na área. 
 
O SAF 02 foi implantado no ano de 2015, em área de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração (capoeira nova). O preparo do solo foi realizado de forma manual utilizando enxada e facão, sem utilização de calcário para correção da acidez. A composição e arranjo de espécies foi semelhante ao SAF 01, porém utilizando a mandioca como espécie anual e a bananeira sendo introduzida em maior densidade de plantio. Nesta área não foram utilizados adubos verdes e as espécies arbóreas introduzidas com finalidade econômica foram as mesmas do SAF anterior: araçá boi, camu camu, cacau, açaí, seringueira e mais o cupuaçu.  O SAF 02 foi implantado em uma situação ambiental bem mais favorável, apresentando solo de cor escura e com maior quantidade de matéria orgânica, sem sinais de erosão ou compactação e sem a presença de plantas indicadoras de áreas degradadas. A implantação do sistema foi realizada de forma manual, sem mecanização, e o manejo da vegetação secundária oriunda da regeneração natural gerou grande quantidade de biomassa, o que, aliado ao manejo da bananeira, plantada em maior densidade do que no SAF 01, também torna o sistema dependente de grande quantidade de mão de obra. 
 
A escolha das espécies que irão compor a agroflorestal devem considerar o potencial de acesso aos mercados como critério de planejamento. No caso dos SAFs avaliados, a definição das espécies levou em consideração os produtos processados nas plantas industriais da cooperativa na qual os produtores são associados, em especial as polpas de frutas e o látex coagulado. As políticas públicas voltadas ao acesso de mercados institucionais, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), também são importantes alternativas para viabilizar a comercialização de produtos agroflorestais.
 
Os consórcios implantados foram planejados com base na sucessão ecológica, incluindo, junto com as árvores, espécies agrícolas anuais e semi-perenes que proporcionam retorno altamente positivo nos primeiros anos de estabelecimento do Sistema Agroflorestal, principalmente o abacaxi e a banana. O uso de espécies de ciclo curto nas áreas de restauração florestal influencia positivamente o fluxo de caixa e diminui o tempo de retorno do capital investido. A boa remuneração proporcionada pelas espécies semi-perenes foi chave para a viabilidade dos SAFs avaliados, se constituindo em grupo essencial no planejamento produtivo das áreas de restauração florestal com finalidade econômica.
 
A importância das agroflorestas para o Acre
Segundo dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), o Estado do Acre possui um passivo ambiental de 302.177 hectares, dos quais 117.983 estão localizados em pequenas e médias propriedades. Neste contexto, as agroflorestas possuem enorme potencial de restauração desses passivos nas áreas de agricultura familiar e agroextrativista, possibilitando agregar geração de renda na atividade.
 
A porção leste do Estado do Acre, região em que se localiza a Resex Chico Mendes, faz parte do chamado “Arco do Desmatamento”, uma área que apresenta os maiores índices de desflorestamento da Amazônia brasileira. Mesmo com o crescimento do desmatamento verificado nos últimos anos, a Resex Chico Mendes mantém mais de 90% de sua cobertura florestal e corrobora com a tese de que as áreas protegidas funcionam como barreiras ao avanço do desmatamento. 
Estudo comprova benefícios dos SAFs na Resex Chico Mendes, em Xapuri (AC)
© Flavio Quental Rodrigues/WWF-Brasil
Avaliação Financeira Restauração Florestal Com Agroflorestas na Amazônia
© WWF-Brasil
Novo estudo mostra que sistemas agroflorestais podem gerar benefícios sociais, ambientais e econômicos
© Flavio Quental Rodrigues/WWF-Brasil
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