Antes que a vaca vá para o brejo

janeiro, 29 2018

É hora de pensarmos em novas estratégias de preservação e conservação das áreas úmidas urbanas brasileiras
Júlio César Sampaio, coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF-Brasil
Cássio Bernardino, analista de conservação do WWF-Brasil


O Brasil possui a maior área úmida do planeta, o Pantanal. Com mais de 170.500 km² de extensão, ele está presente nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e ainda no Paraguai e na Bolívia e abriga mais de 4 mil espécies de animais e plantas. Além dessa área continental, nosso país possui diversas áreas úmidas urbanas, aquelas que, durante toda a história, vem continuamente sendo aterradas para construção de edifícios, ruas e jardins. É urgente que reflitamos sobre o aterramento desses espaços porque as consequências são nefastas para os habitantes das cidades: inundações, crises hídricas, mudanças na temperatura e no regime de chuvas.

O charmoso Marais (que em francês significa pântano), em Paris, é uma antiga área úmida formada pelo rio Sena, que tem sido aterrado desde o século XIII. Seu aterramento provocou sótãos inundados, atrações turísticas fechadas, enormes prejuízos financeiros.

Por aqui, a situação é parecida. Muitos bairros de cidades como Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza também foram construídos sobre aterros. Essas áreas atuam como uma barreira natural e ao serem removidas deixam desprotegidas a costa e seus moradores de ressacas, chuvas e ventos fortes. O metro quadrado mais caro do Brasil, na Avenida Delfim Moreira, no Rio de Janeiro, era um complexo de áreas úmidas que foi aterrado no início do século XX. Em 2016, foi invadida pelo mar, destruindo uma parte do seu calçadão, garagens de prédios e quiosques, causando enormes prejuízos. Em 2017, 15% dos municípios brasileiros sofreram crises hídricas e esse número tende a crescer.

Por outro lado, os benefícios de mantê-las são incalculáveis. Em 2012, durante o furacão Sandy, os mangues nos Estados Unidos evitaram danos na ordem 625 milhões de dólares. Para garantir a segurança hídrica de Nova York, foram investidos centenas de milhões de dólares na compra e preservação de pântanos.

Durante muito tempo, pântanos foram associadas a imagens negativas como lugares sujos, mas na verdade são os rins do planeta. As áreas úmidas são responsáveis por filtrar e armazenar água, garantindo suprimento hídrico em quantidade e de qualidade para muitas cidades brasileiras. Também é nas áreas úmidas que acontece grande parte da evapotranspiração que contribui para as chuvas e onde os aquíferos são recarregados.

É hora de pensarmos em novas estratégias de preservação e conservação das áreas úmidas urbanas brasileiras. Elas devem ser entendidas como espaços de preservação permanente, mantidos e conservados, livres de intervenções humanas. Os que foram degradados devem ser recuperados para que as nossas cidades se adaptem melhor a eventos climáticos extremos. A obrigatoriedade de inclusão do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) em áreas úmidas ligadas ao abastecimento de água nas cidades podem, por exemplo, garantir a sua preservação, em uma relação onde produtores rurais e usuários urbanos ganham.

É hora de olhar para nossas áreas úmidas, antes que a vaca vá para o brejo de vez.
Além do Pantanal, nosso país possui áreas úmidas urbanas, que vem continuamente sendo aterradas para construção de edifícios, ruas e jardins
© André Dib/WWF-Brasil
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