© Bruno Carvalho/IAA/WWF-Brasil

MAIS DE 90% DE REFÚGIO DE ARARAS FOI DESTRUÍDO PELO FOGO

Ação emergencial do WWF-Brasil apoiou o Instituto Arara Azul no diagnóstico do impacto do fogo na conservação da espécie

 

20 de novembro de 2020 

 

Em meio à devastação provocada pelas queimadas no Pantanal, a Fazenda São Francisco do Perigara, em Barão de Melgaço, Mato Grosso, trouxe alento aos pesquisadores que começam a avaliar os efeitos do pós-fogo para o bioma. A propriedade é santuário de araras azuis e, apesar de ter 92% do território afetado pelas chamas, ainda registra a presença maciça dessa ave e de outras espécies.

O levantamento preliminar foi feito pelo Instituto Arara Azul, com apoio de outros pesquisadores, de 22 a 27 de setembro desde ano, cerca de um mês depois do incêndio ter atingindo a propriedade de 24.994 hectares. O trabalho foi desenvolvido com o apoio de parceiros como o WWF-Brasil, responsável pela logística. Este mês, o instituto fará nova expedição, reaplicando a metodologia de levantamento, para averiguar quais medidas precisam ser tomadas ou reforçadas no auxílio à sobrevivência das araras azuis.

A Fazenda Perigara, como é conhecida, é o principal refúgio das araras azuis, concentrando 15% da população total da espécie. Próximo da sede, um bocaivual (aglomerado de palmeiras bocaiúvas) é usado pelas aves como dormitório há pelo menos 60 anos. No pico, já foram registradas cerca de 1mil aves na área, a maior parte, jovens adultos não reprodutivos.

O incêndio veio de uma área vizinha. “O fogo entrou soberano, dominante”, descreveu a proprietária da Perigara, Ana Maria Barreto, em live divulgada nas redes sociais no dia 29 de setembro. “Quando sobrevoamos, na ida, a sensação que me deu foi acabou tudo, não tem mais Pantanal”, disse a presidente do instituto, Neiva Guedes, docente do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Uniderp que coordenou a equipe da expedição com mais cinco pesquisadores, entre biólogos e ornitólogos. O dormitório não foi afetado, mas no entorno, a vegetação em especial as palmeiras acuri e bocaiuva que são itens consumidos pelas araras, foram bastante impactados pelo fogo e levam um ano para produzirem novos cachos.

Em campo, percorrendo a propriedade, a impressão negativa inicial deu lugar à esperança. Os pesquisadores perceberam que a passagem do fogo não foi homogênea. Foram encontradas áreas destruídas, em que até as palmeiras mais altas foram atingidas, outras com menor impacto e bolsões de área verde, bem conservados. No segundo dia de expedição, a surpresa. “Encontramos uma ema macho, com 16 filhotes com cinco dias de idade, um mês depois do incêndio, nosso coração disparou, a gente não esperava mais ver essa cena”.

O ornitólogo Pedro Scherer Neto, que realizou o censo de aves na fazenda em 2001 e, desde então, faz acompanhamento na propriedade, também se mostrou aliviado com o que encontrou. “Elas (araras) estão lá”, disse, explicando que, apesar de terem abandonado o dormitório, estão espalhadas pela propriedade.
O censo, explicou Scherer, foi feito com base no comportamento único adotado pelas araras azuis que povoam a Fazenda Perigara. Essas aves seguem o gado, aproveitando os frutos de palmeiras deixados pelas reses e esses frutos são a principal fonte de alimento das araras. Onde estava o rebanho, lá estavam elas.

Na expedição, também foram identificados outros animais pelo caminho. O biólogo Bruno Carvalho flagrou pegadas de onças, queixadas, veados e antas.  O desafio será garantir a sobrevivência dos animais no pós-fogo, quando a devastação ainda é problema na busca de alimentos. 

WWF-Brasil apoiou expedição para monitorar a presença de araras azuis e outras espécies e os impactos negativos causados pelo fogo

 

A reprodução das araras também pode ser comprometida. Nesta viagem não foi possível monitorar os 30 ninhos cadastrados, devido aos acessos interrompidos por árvores e galhos caídos. Foram monitorados 21 ninhos dos quais um estava com um ovo e três estava com um filhote cada um. Analisando o mês de setembro em 2018 e 2019 verificou-se que houve um impacto de 35% nos casais reprodutivos.  

Algumas medidas já foram tomadas no manejo do ambiente, como aprofundamento dos tanques de armazenamento de águas e uso de caixas para substituir ninhos. Segundo Neiva Guedes, os impactos pós fogo são, talvez, piores que o próprio incêndio, pois a fauna que sobrevive precisa encontrar abrigo, alimento e escapar da predação. E este é o caminho que as araras vão enfrentar agora.

Apoio do WWF-Brasil 

A fazenda é de difícil acesso e foi necessário apoio logístico para chegar até as áreas afetadas. A equipe partiu de Cuiabá, seguindo para Poconé e, de lá, de avião até a fazenda, localizada na área do município de Barão de Melgaço, às margens do Rio São Lourenço. A aeronave foi cedida pelo WWF-Brasil, assim como o veículo usado na expedição.

Este apoio faz parte do Projeto “Respostas Emergenciais em Campo”, de acordo com o analista de conservação do WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo. O trabalho de resposta a essas emergências ambientais começou a ser desenvolvido em decorrência das queimadas do Pantanal e da Amazônia em 2019.

Gajardo explica que o projeto é formado por quatro eixos: prevenção e combate ao fogo, por meio da compra de equipamentos e capacitação de brigadas comunitárias, em parceria com a ONG Ecoa (Ecologia em Ação) e PrevFogo; ajuda humanitária, com distribuição de cestas básicas, desenvolvido em conjunto com ICV (Instituto Centro de Vida); atendimento à fauna, como doação de equipamentos e medicamentos a centros de resgate aos animais e, ainda, na pesquisa, sobre impacto do fogo na flora e fauna mas também sobre as melhores técnicas de manejo do fogo para o Pantanal.

A intenção é que as parcerias não se resumam a trabalhos pontuais, mas que seja construída relação de longo prazo para prevenção aos incêndios e anteparo à fauna e flora afetadas nos períodos de seca e grandes queimadas.

“Temos este trabalho mais específico e pontual, porem nós também estamos estruturando, apoiar ações a médio e longo prazo, para atuar na conservação das espécies no contexto do fogo e desenhar, quais poderiam ser as ações futuras conjuntas mais estratégicas e que tenham maior impacto para a proteção do bioma”, explicou o analista.

© Bruno Carvalho/IAA/WWF-Brasil
A bióloga Fernanda Fontoura, do IAA monitora um ninho de arara Azul durante expedição da fazenda Perigara