© Marizilda Cruppe / WWF

Uso de drones auxilia no monitoramento de áreas remotas da Amazônia

Dezessete organizações, em cinco estados, vêm utilizando a ferramenta; objetivo é diminuir taxas de desmatamento e queimadas 

 

15 de setembro de 2020

O uso de novas tecnologias para a conservação da natureza é uma tendência irreversível, presente no mundo inteiro. Armadilhas fotográficas, big data, sensores de ruído, fotos de satélites e tagueamento de animais ameaçados têm facilitado o trabalho de diversos defensores da natureza, que se valem desses recursos para proteger e gerar informações sobre animais, plantas, populações e territórios.   

O WWF-Brasil aposta nessa tendência: desde o ano passado, com o registro de altas taxas de desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira, a organização deu início a um projeto de utilização de veículos aéreos não tripulados – popularmente conhecidos como drones -  para monitorar territórios e tentar antecipar problemas. 

Desde então, foram doados 18 drones para 17 organizações de 5 estados da Amazônia – num investimento que, apenas em equipamentos, soma cerca de R$ 300 mil. O 19o drone foi doado para uma organização que atua em Goiás, no Cerrado. Esses parceiros recebem ainda capacitações e outras ferramentas que otimizam o uso dos dados gerados pelos drones, como GPS, telefones celulares e notebooks.   

Entre as organizações que estão recebendo esse apoio estão o Batalhão de Policiamento Ambiental do Acre (BPA-AC); a Associação do Povo Indígena Tenharim Morõgwitá (Apitem), no Sul do Amazonas; a Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Xapuri (Amoprex), no Acre; o Instituto Kabu, no Pará; e as prefeituras das cidades amazonenses de Boca do Acre, Apuí e Humaitá. 

O WWF-Brasil trabalha com drones desde 2016; primeiro na contagem de populações de botos na Bacia Amazônica, depois como reforço para monitoramento territorial na Amazônia e no Cerrado. Desde o ano passado, o objetivo é que eles ajudem na proteção contra o desmatamento e as queimadas. 

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apenas nas duas primeiras semanas de setembro foram contabilizados mais de 20 mil focos de queimada na Amazônia, um aumento de 86% quando comparado ao mesmo período de 2019.  

Monitoramento territorial

Uma das experiências mais bem-sucedidas deste projeto acontece hoje em Rondônia, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que possui 1.867.117 hectares. Por ali, os indígenas têm utilizado um drone para monitorar seu território, dar mais consistência às denúncias de crimes ambientais e monitorar a biodiversidade na região.  

A manutenção de Terras Indígenas são um dos instrumentos mais poderosos de conservação do Meio Ambiente - nos últimos 40 anos, apenas 2% das Terras Indígenas perderam suas florestas originais. Esses territórios mantêm estoques de recursos naturais, promovem serviços ecossistêmicos e ajudam na regulação climática do planeta. Mesmo assim, são regiões bastante ameaçadas pela ocorrência de garimpo, roubo de madeira e invasão de terras. 

“Com a chegada dos drones, o trabalho de monitorar nossa região ficou muito mais fácil”, disse o presidente da Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, de 20 anos. 

De acordo com ele, o drone ajuda a monitorar áreas remotas que, de outra maneira, seriam inacessíveis durante as ações feitas pelos indígenas. “A primeira vez que usamos o drone por conta própria nós encontramos uma área desmatada enorme, muito próxima das rotas que utilizamos dentro da Terra Indígena, mas que jamais imaginávamos que fosse atingida pelas invasões e pelo desmatamento. Por terra, a gente não acha o que acha com o drone”, afirmou Bitaté. A área encontrada naquela ocasião possuía 10 hectares. 

© Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau/ Agência Jupaú

Gavião-real (Harpia harpyja) encontrado na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau

O jovem disse ainda que, com o drone, foi possível encontrar às margens do Rio Jamari, dentro da Terra Indígena, um ninho de Gavião-Real (Harpia harpyja). “Acabou que começamos a monitorar a situação daquele ninho também. Toda vez que passávamos por aquela região, levantávamos o drone para saber se o ninho ainda estava lá”, lembra Bitaté. 

O ninho fica numa trilha a 2 horas de caminhada da aldeia Jamari, onde Bitaté vive – porém, com o drone, é possível monitorá-lo de um ponto específico do meio do rio, acessível a 30 minutos da aldeia. 

O Gavião Real é uma das mais poderosas aves de rapina do mundo – e a maior do Brasil. Chega a 1 metro de altura, 12 quilos e 2,25 metros de envergadura com as asas abertas. É uma ave rara, imponente e que vive de maneira solitária em regiões florestais remotas. Para diversos povos indígenas, O Gavião Real é considerado um animal sagrado, “dono” da floresta e cujas penas são utilizadas para fazer flechas, penas e cocares. 

Descoberta

Bitaté contou também sobre um monitoramento feito pelos Uru-Eu-Wau-Wau no final de julho. Os indígenas estavam caminhando quando ouviram barulhos de trator. “Levantaram” o drone e viram uma grande área desmatada, que possuía um acampamento em seu interior.

O grupo resolveu voar mais um pouco com o drone, 900 metros adiante, e encontrou outra área desmatada. Mais 400 metros, outro foco de desmatamento. Mais 500 metros, outra área derrubada. “No final, achamos 15 pontos de desmatamento que conseguimos fotografar e outros 3 que não mapeamos”, disse Bitaté. 

Nessa operação, os indígenas passaram 4 dias excursionando dentro de seu território, identificaram um invasor e chamaram a polícia. O homem estava sozinho num acampamento – que fica a mais de 8 quilômetros dentro da TI -  e possuía armas, além de uma motocicleta e uma motosserra. Ele foi levado à delegacia e preso.

© Marizilda Cruppe / WWF
Bitaté Uru-eu-wau-wau, presidente da Associação do Povo Indígena Uru-eu-wau-wau, diz que a tecnologia tem sido fundamental para ajudar a proteger o território

Identificar e denunciar 

Para o coordenador-geral da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Israel Valle, é possível falar em trabalhos “antes dos drones” e “depois dos drones”. A Kanindé está baseada em Porto Velho, é uma das maiores e mais importantes organizações indigenistas do Brasil e uma das parceiras do WWF-Brasil nesta iniciativa. 

“Antes, nós usávamos informações via satélite, que sempre vinham com algum atraso. Quando chegávamos na área, ela já estava queimada. A gente trabalhava com o que aconteceu. Com os drones, você consegue identificar o desmatamento e uma queimada, por exemplo, e fazer uma denúncia imediatamente”, explicou. 

Em dezembro de 2019, o WWF-Brasil promoveu um treinamento de pilotagem de drones para 40 pessoas. Dois Uru-Eu-Wau-Wau e o representante da Kanindé participaram dessa capacitação. No primeiro semestre de 2020, a Kanindé deu início à replicação desses conhecimentos, promovendo outro treinamento para 15 indígenas. 

Israel lembrou também que os indígenas têm feito imagens de seu dia a dia: no plantio de café e na preparação da roça, por exemplo - compondo um registro etnográfico importantíssimo para os indigenistas brasileiros. 

Segurança

Israel destacou que os drones facilitam bastante o monitoramento. “Ao invés de você gastar um dia inteiro andando pela mata, gasta metade desse tempo e cobre uma área muito maior.  Você ganha uma perspectiva mais ampla e outro tipo de visão do território. O drone melhora a qualidade do dado e a coleta de informações”, disse.

O coordenador-geral da Kanindé afirmou também que os drones aumentam a segurança dos indígenas que estão fazendo o monitoramento. “Assim que você identifica uma área desmatada, você não precisa chegar lá e se colocar em risco, topando com um acampamento, por exemplo”. Israel frisou que, no início do ano, num monitoramento, um invasor soltou um rojão em direção ao drone: “Temos uma filmagem disso. É possível ver o rojão subindo e explodindo logo abaixo do equipamento”.

Para o analista de conservação sênior do WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo, o uso dos drones permite que as associações de base da Amazônia realizem seus trabalhos de monitoramento e proteção territorial de forma mais segura e qualificada. “Esse tipo de ferramenta permite obter elementos e evidências concretas, que ajudam a subsidiar denúncias que serão encaminhadas aos órgãos públicos competentes que lidam com fiscalização ambiental”, explicou.