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Projeto beneficia três importantes reservas extrativistas no Pará
01 de junho de 2020
A região que as reservas extrativistas Rio Iriri, Rio Xingu e Riozinho do Anfrísio compartilham com outros povos é conhecida como Terra do Meio. Ela abrange um mosaico de áreas protegidas de mais de 8 milhões de hectares, dos aproximadamente 28 milhões que compõem todo o corredor do Xingu, o mais rico em biodiversidade no Brasil. Mas em seu entorno existem grandes projetos de infraestrutura, como a Usina Hidrelétrica Belo Monte, que teve um impacto gigantesco sobre os moradores e ampliou as ameaças ao território.
Localizada no coração da Amazônia, no Pará, a Terra do Meio é cercada por importantes rodovias, como a Transamazônica (BR-230) e a BR-163, que sempre exerceram grande pressão na região, seguindo o clássico modelo de expansão predatória: exploração de madeira, garimpo, grilagem de terras, criação de gado e avanço da soja. Esses vetores de destruição partem de cidades como Novo Progresso, Trairão, Uruará, Altamira e São Félix do Xingu.
Para ajudar a proteger o território, o WWF-Brasil firmou parceria com a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri) para a estruturação de um sistema de comunicação, com transmissão de dados criptografados via rádio, e instalação de pontos de internet. Isso permite a verificação e o envio em tempo real de alertas de atividades ilegais no território para a base do Observatório Xingu e órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelas unidades de conservação federais no país.
O contrato beneficia também a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Xingu (Amomex) e a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amora). Com área total de 1.439.081,98 hectares, as três reservas abrigam pelo menos 1.350 pessoas.
EXPLORAÇÃO DE MADEIRA, MINERAÇÃO E GRILAGEM
Francinaldo Lima, consultor técnico da Amoreri, afirma que, em 2018, as associações fizeram expedições aos castanhais para monitorar os pontos mais sensíveis dos territórios. "Somente no Sul da Reserva Riozinho do Anfrísio tivemos furto de madeira, o restante estava tranquilo. Mas as atividades ilícitas se intensificaram bastante em 2019. No Porto da Maribel, que é o lugar por onde todos têm que passar para entrar na reserva, cheguei a ver dois grupos prontos para fazer grilagem e garimpo de cassiterita”, conta.
Lima diz que não é preciso muito esforço para descobrir a movimentação dos invasores, pois eles não têm feito questão de agir escondidos. “Um dos grupos que vi no Porto da Maribel estava indo para a comunidade Rio Novo expandir uma área de produção de cacau. O outro tinha máquinas para garimpo de cassiterita. São pessoas que já tinham sido retiradas da região quando a reserva foi criada e que estão retornando agora. Eles diziam claramente que o governo federal está permitindo tudo e enfraquecendo o Ibama e o ICMBio”, acrescenta ele. "Não temos como enfrentá-los porque nada garante a nossa integridade física".
Os primeiros órgãos públicos notificados quando uma ameaça é detectada são o ICMBio, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e o MPF. As associações mantêm bom relacionamento com Thais Santi, procuradora responsável pela região. Há um aparelho de rádio amador instalado no prédio do MPF para permitir o contato dos moradores com Santi. “O rádio foi instalado em 2018”, diz Lima. "Isso nos permite fornecer informações com mais eficiência e a procuradora pode nos ajudar mais rapidamente".
GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA
Parte do trabalho de proteção territorial realizado por Amoreri, Amomex e Amora está relacionado à criação de alternativas de renda baseadas no uso sustentável da floresta, estruturando cadeias de valor para produtos da sociobiodiversidade. “Essas cadeias são fundamentais para conter o avanço de atividades predatórias”, diz Lima. “A castanha, que é o produto mais forte, tem colheita uma vez por ano e os moradores trabalham com ela por 6 meses. Então, quando um extrativista não se identifica com outras coisas, como borracha ou mesocarpo de babaçu, ele fica vulnerável a ser atraído para alguma atividade ilegal ”.
Lima afirma que as associações estão preocupadas com o crescimento do assédio aos extrativistas. "Existem pessoas que oferecem motor (de barco), e alguns moradores entendem que isso dará retorno imediato", alerta. "Agora estamos apostando muito no mercado de babaçu, porque é possível gerar renda o ano todo".
Todos trabalham nas reservas. A participação feminina na produção de mesocarpo de babaçu e castanha é significativa. “No momento da quebra da castanha, toda a família vai para o mato”, diz Lima. "Na extração de borracha e óleo de copaíba predominam homens, pois essas atividades exigem mais tempo fora de casa".
Os extrativistas trabalham com produtos como castanha-do-Pará; borracha natural; óleos de copaíba, andiroba, castanha e babaçu; farinha de mesocarpo de babaçu e roças de mandioca para a produção de farinha. A pesca também é uma atividade econômica importante na região, sobretudo no Xingu e no Iriri.
As associações estão trabalhando no desenvolvimento de subprodutos para manter os extrativistas ativos o ano todo. A castanha-do-Pará, por exemplo, é vendida fresca - mas também desidratada, pronta para o consumo. Dela também é extraído o óleo e é feita farinha. O mesmo vale para o babaçu. A borracha pode ser processada e vendida como uma espécie de manta. Enquanto o quilo de borracha natural é comercializado por R$ 7,50, a manta sai por R$ 12.
As cadeias de castanha-do-Pará, borracha, babaçu e óleo de copaíba estão bem estruturadas. A de peixe foi estruturada bem antes da criação das reservas. “Temos contratos de longo prazo com empresas nacionais e multinacionais, com preços justos, relacionamentos éticos e transparentes”, diz Lima. “Também atendemos ao mercado local. O mesocarpo de babaçu, por exemplo, é vendido para escolas porque é possível fazer biscoitos e mingau”.
Uma das formas de as associações protegerem os territórios é com o engajamento de jovens. Depois de participarem de cursos, jovens moradores das reservas passaram a dominar técnicas de georreferenciamento, mapeamento, leitura de imagens de satélites e GPS. A partir disso, foram mapeadas as áreas de usos e feitas pesquisas colaborativas que abordaram os efeitos positivos e negativos de diversas atividades. Com apoio do ICMBio e da Universidade Federal do Pará, também foi monitorado o estado da conservação da biodiversidade, utilizando protocolos de pesquisa reconhecidos internacionalmente.
PARCERIA COM O WWF-BRASIL
Como não havia internet e telefone nas reservas, a forma mais rápida de comunicação era via radioamador. Existem cerca de 50 equipamentos desse tipo por lá. O contato entre os membros das associações, porém, não era seguro por causa da frequência aberta. Isso significa que qualquer pessoa - incluindo garimpeiros, madeireiros e grileiros - poderia ouvir tudo o que fosse falado, colocando em risco a vida de quem fizesse denúncias ou tentasse coibir práticas criminosas.
Mas a parceria com o WWF-Brasil ajudou a melhorar o modelo tecnológico, com a instalação de sistemas de rádio digital e pontos de internet. E as informações passaram a ser transmitidas em arquivos criptografados. “Quando detectamos uma ameaça, podemos pedir ajuda ao Ministério Público Federal e ao Ibama de forma mais reservada”, diz Lima. Os equipamentos também têm sido fundamentais no apoio à saúde dos extrativistas, que agora conseguem avisar sobre a necessidade de resgates em casos de emergência.
Pelo menos 570 pessoas participaram das atividades desenvolvidas pelo projeto, que incluíram expedições a oito comunidades da Resex Rio Xingu, assembleia geral da Amomex e sete oficinas sobre uso e operação do sistema de transmissão digital. Essas ações e as viagens para a instalação dos equipamentos permitiram que diversas atividades ilegais fossem detectadas, como garimpos e grilagem de terras dentro das unidades e em áreas vizinhas - o que resultou na elaboração de denúncias entregues aos órgãos competentes. “Esperamos que após a crise causada pelo coronavírus e, no verão, quando essas atividades sempre se intensificam, as autoridades possam tomar medidas eficazes”, salienta Lima.
Outra vertente do projeto é que, conectadas à internet, as comunidades também vão poder monitorar focos de queimadas e planejar ações de vigilância e combate ao fogo.