PERSEGUIDOS POR LUTAR PELA AMAZÔNIA  

As atividades da Brigada de Incêndio do Alter do Chão estão paralisadas desde novembro de 2019, quando quatro de seus membros foram presos suspeitos ​​de incêndio criminoso

 

01 de junho de 2020

 

Até 26 de novembro de 2019, a Brigada de Alter do Chão fazia um trabalho exemplar no combate ao fogo na região de Santarém, no Pará. Mas, naquela manhã, a Polícia Civil realizou uma operação e prendeu quatro de seus membros por suspeita de incêndio criminoso. No dia seguinte, o Ministério Público Federal do Pará (MPF) divulgou que também investigava o caso e que não havia encontrado nenhum indício da participação dos brigadistas ou de organizações da sociedade civil no crime.

As detenções arbitrárias, sem provas, repercutiram mundo afora. Tanto que o governador do Pará, Helder Barbalho, ordenou a substituição do delegado que presidia o inquérito. Em um vídeo, justifica a mudança: "para que tudo seja esclarecido da maneira mais rápida e transparente possível". Horas depois do posicionamento do governador, o Judiciário decidiu que os brigadistas deveriam ser soltos. Eles deixaram a prisão em 28 de novembro e passaram a responder ao processo em liberdade.

Naquela ocasião, o WWF-Brasil expressou publicamente sua indignação com a ação da Polícia Civil. Salientou que a falta de transparência nas investigações e de fundamentação nas alegações utilizadas e, consequentemente, as dúvidas sobre a base jurídica dos procedimentos adotados pelas autoridades contra os suspeitos, incluindo a entrada e a coleta de documentos na sede do Projeto Saúde e Alegria e do Instituto Aquífero Alter do Chão, onde a Brigada operava, eram abusivas e extremamente preocupantes do ponto de vista da democracia.

O Projeto Saúde e Alegria, juntamente com diversas organizações da sociedade civil, havia denunciado grileiros e loteamentos que ameaçavam as áreas de proteção ambiental de Alter do Chão. Os integrantes da Brigada também fizeram denúncias, levando informações aos investigadores, incluindo imagens de queimadas.

O WWF-Brasil repudiou os ataques a seus parceiros e as mentiras em torno de seu nome, como a série de ofensas em redes digitais com base informações falsas, como compra de fotos e doação envolvendo Leonardo DiCaprio. Não houve compra de imagens da Brigada de Alter do Chão e também não recebemos doação do ator americano. O fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à verificação das ações executadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação.

Entre os apoios realizados, o valor de R$ 70.654,36 foi integralmente repassado no Contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão, a fim de viabilizar a compra imediata de equipamentos para a Brigada. Essa organização foi selecionada porque trabalhava no combate a incêndios em parceria com o Corpo de Bombeiros desde 2018.

O WWF-Brasil expressou sua confiança na Brigada, que colaborou desde o início das investigações policiais sobre a origem dos focos de incêndio em Alter do Chão, tendo sido ouvida pela Polícia Civil e fornecido informações e documentos às autoridades voluntariamente.

Desde as prisões, as atividades da Brigada de Alter estão interrompidas, o que não permitiu que a compra de todos os equipamentos previstos fosse concluída. Do total transferido, foram gastos R$ 43.713,99. E o saldo de R$ 26.940,37 foi devolvido ao WWF-Brasil no encerramento do contrato, em março de 2020. Parte dos equipamentos adquiridos será usada pelo Instituto Aquífero Alter do Chão em treinamentos de novas brigadas e parte será emprestada, sem custo nenhum, para outras organizações que atuam na linha de frente do combate a queimadas e incêndios florestais.

A DIFICULDADE DE COMBATER INCÊNDIOS NO PARÁ

Com 1.247.954 km², o Pará é maior que todo o Sudeste brasileiro. Apesar disso, seu Corpo de Bombeiros tem apenas 25 equipes para todo o estado. O 4º Grupamento de Bombeiros Militar (4º GBM), por exemplo, atua em problemas que vão desde o resgate de vítimas a incêndios urbanos e florestais em Santarém e mais outros 11 municípios vizinhos. São cerca de 100 funcionários para uma área de 313.957.940 km². Quando, idealmente, deveria haver pelo menos 360.

"A Amazônia é diferente de outras regiões. O acesso é complicado, alguns municípios são maiores do que muitos países. Por isso, é essencial ter pessoas com conhecimento de incêndios florestais nas comunidades", explica o cabo Julio Galucio, bombeiro do 4º GBM. "Precisamos lembrar que nenhum incêndio florestal começa grande, sempre começa do tamanho em que é possível apagar com o pé. Saber agir rápido é essencial", acrescenta.

Ao testemunhar a destruição da floresta e pouco ser feito pelas autoridades, os moradores de Alter do Chão decidiram agir. Em julho de 2017, um incêndio ao lado da casa do produtor audiovisual João Victor Romano, de 27 anos, o fez perceber sua falta de preparo para apagar o fogo. As chamas foram controladas com a ajuda de vários moradores, mas a casa de madeira do músico irlandês Maurice Counihan foi completamente destruída.

O susto foi tão grande que, logo depois, o hotel Mirante da Ilha decidiu oferecer um curso de Primeiros Socorros e Incêndio Urbano, abrindo vagas para os moradores. "Corri para participar e terminei o curso com o desejo de criar uma brigada", lembra Romano.

Dois meses depois, na mesma região da serra do Carauari, ocorreu outro incêndio florestal. "Durou uma semana e houve 5 dias de combate. Se fosse hoje, teríamos resolvido tudo em um dia. Na época, não sabíamos que havia incêndio subterrâneo. Jogamos areia, mas depois percebemos que várias árvores estavam pegando fogo", diz Romano. O grupo de voluntários se comunicou via WhatsApp e já estava em contato constante com os bombeiros.

Nos três meses seguintes, houve mais três incêndios. Aflito diante de tantos episódios em tão pouco tempo, o fotógrafo e guia turístico Daniel Gutierrez, de 36 anos, se uniu a Romano. "O cabo Vieira disse que tínhamos um grupo engajado e que poderíamos formar uma brigada", lembra Gutierrez.

A CRIAÇÃO DA BRIGADA DE ALTER DO CHÃO

Em setembro de 2018, o cabo Galucio informou ao grupo que um treinamento seria realizado em Belterra e que havia dez vagas reservadas para Alter do Chão, uma cortesia da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo do município vizinho. Sem pensar duas vezes, Romano, Gutierrez e outros quatro voluntários partiram para cinco dias de curso.

"O movimento dos meninos em Alter é maravilhoso porque eles realmente querem ajudar. Os bombeiros também trabalham na prevenção. O conhecimento precisa ser multiplicado", disse Galucio, semanas antes das prisões. Do treinamento até junho de 2019, a Brigada não parou. "O 4o GBM nos emprestou equipamentos para trabalharmos aqui. Atendemos todas as ligações", afirmaram Romano e Gutierrez.

Então, os dois amigos organizaram uma campanha para atrair mais voluntários. Em agosto de 2019, quando o desmatamento na Amazônia já estava em destaque em todo o mundo, eles conseguiram, com o apoio de ONGs e empresários da região, promover outro curso e formar 16 novos membros para a Brigada. Cerca de R$ 13,5 mil garantiram alimentação, transporte e estrutura para 30 pessoas durante cinco dias. "Participamos de quatro aulas reais de combate a incêndio", lembra Gutierrez.

O GRANDE FOGO

No dia 14 de setembro de 2019, um sábado, um grande incêndio começou na região da Capadócia. A Brigada foi a primeira a chegar ao local. Romano e outro membro foram verificar e identificar a melhor maneira de acessar a região. De lá, partiram direto para a delegacia, onde encontraram outros integrantes da Brigada e levaram os equipamentos necessários. No início da noite, os bombeiros pediram que eles recuassem para pensar nas estratégias de combate para o dia seguinte.

"O que é fundamental na Brigada é que não entramos em pânico. Sabemos conversar com os bombeiros sem desespero, descrevendo tecnicamente e dando uma visão geral da situação", explica Gutierrez. No domingo, todos tentaram combater o incêndio, mas a situação ainda era bastante complicada. As chamas se espalharam, atingindo a rodovia Everaldo Martins e também a comunidade de Ponta de Pedras.

Para evitar uma verdadeira catástrofe na vila, 50 bombeiros do 4º GBM, o prefeito, o representante regional do governo do Estado e integrantes das secretarias de Meio Ambiente de Santarém e de Belterra, da Secretaria de Meio Ambiente estadual, do Exército, da Defesa Civil e das polícias Civil, Militar e Federal foram para o combate, com mais de 200 pessoas na linha de frente.

O incêndio de Alter do Chão rapidamente tomou conta das redes sociais, jornais e programas de televisão. Foram quatro dias lutando para apagá-lo. Cerca de 7% da área de proteção ambiental foi destruída, aproximadamente 12 km² ou o equivalente a 1.647 campos de futebol. Em 2015, quando a floresta estava seca por causa do El Niño, o 4º GBM registrou 732 ocorrências. Em 2019, apesar de ter chovido muito, a situação foi ainda mais preocupante. "Infelizmente, o ano parece estar chegando a bater recordes", alertou o cabo Galúcio.

Para o professor Jackson Rêgo Matos, engenheiro florestal com 30 anos de atuação na Amazônia, o fogo deixou a população em pânico, surgindo de forma surpreendente e com alta intensidade e velocidade: "Como filho de Santarém e conhecedor da flora, fauna, rios, lagos, igarapés e ecossistemas da região, nunca vi algo tão devastador. A questão agora é saber como conduzir o processo de recuperação das áreas atingidas. A APA de Alter possui muitas espécies de plantas e animais endêmicos, de grande importância ecológica e também de interesses para o ecoturismo”.

PARCERIA COM O WWF

Consciente de que seu trabalho estava apenas começando, a Brigada de Alter lançou uma campanha de financiamento coletivo para comprar materiais e equipamentos. Em setembro de 2019, durante o grande incêndio e a repercussão de suas ações na mídia, conseguiu captar recursos e estabelecer parcerias importantes, inclusive com o WWF-Brasil. Com o dinheiro doado pela Rede WWF, a Brigada comprou itens como laptop, GPS, gerador, bombas costais, bolsa de primeiros socorros, sopradores, amortecedores e equipamentos de proteção individual, como balaclavas e capacetes.

Na Amazônia, em geral, as queimadas e incêndios florestais são frutos da ação humana. Desde 2012, com mudanças no Código Florestal feitas por pressão da bancada ruralista, a situação piorou bastante. "Deram anistia a quem sabia que estava cometendo crimes ambientais. Então, o desmatamento vem crescendo e as multas do Ibama estão diminuindo", explicou o cientista Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em um seminário realizado em Santarém no início de setembro de 2019.

Ano após ano, o arco de fogo na Amazônia é ampliado. E as terras devastadas não estão sendo bem aproveitadas. Prova disso é que 63% da floresta desmatada foi ocupada por pastos de baixíssima produtividade (com menos de 1 cabeça de gado por hectare) e 23% foi abandonada e está em regeneração, segundo dados do Projeto TerraClass, uma parceria entre a Embrapa e o INPE.

Em 50 anos, perdemos quase 20% da Amazônia. Os estados brasileiros pressionados pela expansão da agricultura são os mais desmatados: Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Pará, liderando na última década. Acre e Roraima também vêm sendo queimados pelas bordas.

No Pará, a destruição ocorre com o avanço da agricultura, grilagem de terras e com a abertura de estradas, grandes obras, garimpos ilegais e mineração de alto impacto. O problema é tão sério que o estado já perdeu quase metade de suas florestas. Em 2019, o aumento do desmatamento decorrente de queimadas criminosas foi acompanhado por difamação e perseguição a fiscais ambientais.