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MÚLTIPLAS AMEAÇAS NO PARÁ 

“Dia do Fogo” aumentou a pressão sobre as terras indígenas Baú e Menkragnoti. Mas parceria firmada entre o Instituto Kabu e o WWF-Brasil ajudou a fortalecer a proteção dos territórios, equipando três bases de vigilância

 
19 de maio de 2020

 

Conhecido como “Dia do Fogo”, 10 de agosto de 2019 se tornou um momento chave na história recente da Amazônia. Isso porque um grupo de agricultores, grileiros e sindicalistas de Altamira e Novo Progresso, municípios do Pará próximos às Terras Indígenas (TIs) Baú e Menkragnoti, se organizou para queimar naquela data algumas propriedades localizadas ao longo da rodovia BR-163. Assim, o fogo poderia avançar sobre os territórios protegidos.

Cerca de 50 pessoas envolvidas nas queimadas foram identificadas durante operação realizada por equipes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama) e das polícias Civil e Militar. As investigações apontaram que o grupo pretendia mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que apóia o discurso de afrouxamento da legislação e o cancelamento de multas por crimes ambientais.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontaram aumento significativo de incêndios naquele dia. O crescimento ocorreu principalmente nos municípios de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu - todos cortados pela BR-163. Embora dentro das TIs Baú e Menkragnoti, onde o Instituto Kabu opera, o fogo não tenha sido um grande problema, as queimadas avançaram nas proximidades. Em agosto de 2019, foram registrados 5.116 focos de calor no entorno desses dois territórios: 3,5 vezes mais do que no mesmo período de 2018.

O AVANÇO DA MINERAÇÃO

Além do perigo do fogo, o garimpo também não dá trégua. Esperança IV, a maior mina de ouro da região, avança cada vez mais em direção ao território dos Kayapós. Está localizada a menos de 40 quilômetros do limite da Terra Indígena Baú. Se no passado os garimpeiros usavam compressores com motores a diesel para desmontar barrancos, agora eles têm maquinário pesado. Uma mudança que ampliou não apenas a velocidade da expansão da mineração, mas também a quantidade de sedimentos lançados no rio Curuá, contaminando mais fortemente a água.

“O Esperança IV está matando o Curuá, que é o principal rio da Terra Indígena do Baú”, diz Junio de Oliveira, coordenador geral do Instituto Kabu. “Além de não ter água limpa para os indígenas beberem e tomarem banho, os peixes estão contaminados. Isso acaba afetando também outras terras indígenas porque os peixes não ficam no mesmo lugar ”, acrescenta.

Estudo realizado em 2019 pelo Ministério Público Federal e pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará mostrou que peixes e tracajás dos rios Curuá e Baú possuem metilmercúrio, um metal usado na separação de ouro, em quantidades muito maiores do que os limites de segurança estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa situação representa uma séria ameaça à saúde das pessoas que têm o consumo de peixe como um item-chave em sua dieta.

A AMEAÇA DE MADEIREIROS E DA FERROGRÃO

Em paralelo, a exploração madeireira, que ocorre principalmente em áreas localizadas no limite ocidental das Terras Indígenas, cresceu sobretudo devido à falta de ação do estado. Há ameaças constantes de invasões à Terra Indígena Baú pela margem esquerda do rio Curuá. De acordo com cálculos feitos por técnicos do Instituto Kabu, se os criminosos conseguirem se estabelecer no local, a perda será de 86.551,5 hectares, o que corresponde a mais de 5% da área atual da TI. E mais: isso tornaria o rio Curuá a nova fronteira do território.

Já a Ferrogrão, uma ferrovia de 934 quilômetros entre Sinop (Mato Grosso) e Miritituba (Pará), será um importante corredor para o fluxo de grãos no Centro-Oeste do país e fará fronteira com as TIs Baú e Menkragnoti. Sua construção afetará não só os povos indígenas da região onde o Instituto Kabu atua, mas dezenas de outras comunidades ribeirinhas e agroextrativistas da Amazônia.

Embora a batalha jurídica sobre esse projeto continue, já que o Ministério Público Federal exige consulta prévia aos povos indígenas, conforme previsto na Constituição, o governo de Jair Bolsonaro garante que a Ferrogrão será concedida ao setor privado ainda em 2020. Multinacionais como Cargill e Bunge trabalham para o avanço da obra.

Se sozinha a BR-163, uma rodovia de 3.579 quilômetros que liga seis estados brasileiros, é um dos principais vetores de desmatamento no Pará, a expectativa é de que as disputas por terras sejam bastante ampliadas com a chegada da Ferrogrão. A região dos Kayapós já está bastante afetada pela BR-163. O desmatamento nas TIs Baú e Menkragnoti saltou de 11.500 km² para 32.600 km² desde 2000, conforme dados do Instituto Kabu.

POVOS DO XINGU SE UNEM CONTRA BOLSONARO

No final de agosto de 2019, representantes de 14 grupos indígenas e de quatro reservas extrativistas da bacia do Xingu se reuniram na aldeia Kubenkokre, na TI Menkragnoti. Povos inimigos no passado, devido à disputa pelo território, eles se uniram para elaborar estratégias que visam combater a presença de madeireiros e garimpeiros em suas terras.

Em algumas aldeias, porém, a mineração tem avançado com a permissão de líderes indígenas. Em outros, por causa de falhas na fiscalização. Em meados de agosto de 2019, o número de multas aplicadas pelo Ibama na região recuou 30% em comparação com a média do mesmo período nos 3 anos anteriores. A mineração em Terras Indígenas, atualmente proibida por lei, é tratada como prioridade pelo governo federal.

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Contaminação no rio Curuá, dentro da Terra Indígena Baú, por sedimentos da Esperança IV, a maior mina de ouro da região

PARCERIA COM O WWF-BRASIL

Para reforçar a proteção territorial das duas TIs, visando coibir novas invasões e denunciar crimes às autoridades competentes, o WWF-Brasil firmou parceria com o Instituto Kabu em outubro de 2019. Os recursos foram usados para equipar três bases de vigilância, duas na Terra Indígena Menkragnoti e uma na Baú, com itens como GPS, laptop, câmera digital, drone, canoas, motores de barco e combustível. Isso vai permitir também que as equipes de vigilância atuem no período chuvoso.

Os agentes ambientais indígenas estavam treinados para as ações de vigilância e proteção territorial porque já vinham realizando esse tipo de atividade. Eles costumam fazer expedições periódicas aos locais mais sensíveis do território para desencorajar ações ilícitas e marcar presença onde há histórico de conflitos. Desde a assinatura do contrato, pelo menos 73 expedições foram feitas pela equipe.

Cerca de 1,2 mil pessoas de nove aldeias estão se beneficiando diretamente do financiamento: Baú, Kubenkókre, Pykany, Kawatum, Pyngraitire, Krimei, Pykatoti, Menkragnotire e Jabui. Porém, indiretamente, a vigilância aprimorada e a proteção territorial beneficiarão as Terras Indígenas Baú e Menkragnoti inteiras. A área total é de 6,455 milhões de hectares.

“Essa parceria é muito boa para nós, porque poderemos proteger melhor o nosso território", diz o líder indígena Tomeikwa Bepakati, presidente do Instituto Kabu, organização dos Kayapó Mekrãgnoti. "Há muita pressão de madeireiros, pescadores, garimpeiros e também o presidente Bolsonaro". As equipes de vigilância das Terras Indígenas de Baú e Menkragnoti frequentemente expulsam invasores de seus territórios. Sempre que isso acontece, denunciam a presença dos estranhos e as atividades ilegais às autoridades. Mas pouco foi feito até agora pelo Estado para coibir práticas ilícitas.

“Quando o presidente diz que está tudo liberado, a população segue e a pressão sobre nós aumenta. Isso dificulta nossa vida”, acrescenta o diretor financeiro do Instituto Kabu, Kokoro Menkraknoti. Ele garante que os kayapós não aceitarão a presença de invasores: “Por conta própria, mesmo sem o apoio da Funai, do Ibama e da Polícia Federal, vamos defender nosso território”.

Os líderes indígenas enfatizam que estão acompanhando de perto o movimento do governo federal e as declarações de Bolsonaro sobre o “excesso” de Terras Indígenas no Brasil, além de projetos envolvendo setores como mineração e agronegócio. “Estamos vivos para defender nosso território e nosso povo. A pressão é grande e alguns rios já estão contaminados por mercúrio. Mas não deixaremos que os invasores tirem nossas riquezas e nossas terras. Vamos continuar lutando”, garante Kokoro.