© Projeto Reca / WWF-Brasil

Formação de brigada de incêndio movimenta produtores agroflorestais

O Projeto Reca, que opera em 12 mil hectares de Rondônia, Acre e Amazonas, treinará cerca de 260 associados para evitar a destruição de sua única fonte de subsistência: a Amazônia. Mais de 3 mil pessoas serão beneficiadas

 
25 de maio de 2020

 

A Ponta do Abunã está localizada no extremo oeste de Rondônia, na divisa com o Acre e o Amazonas. É uma faixa estreita de terra isolada e abandonada pelo Estado. Embora oficialmente faça parte da capital, Porto Velho, a região carece de infraestrutura e de serviços públicos básicos. Devido à ausência quase total dos governos, é conhecida como “terra de ninguém” e “faroeste amazônico”, porque ali os problemas muitas vezes são resolvidos à bala.

A disputa por terras liderada por madeireiros e grileiros tornou Ponta do Abunã propícia para a ação de pistoleiros. A atividade madeireira clandestina é o carro-chefe. Toras e mais toras se multiplicam, empilhadas em pátios à espera para serem "beneficiadas". Encravada também na fronteira com a Bolívia, a área vem sendo disputada por traficantes de drogas vindos do Centro-Sul do Brasil.

É nesse ambiente complexo que a Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto Reca desenvolve ações para manter vivos os últimos hectares da Floresta Amazônica no estado mais desmatado nas últimas décadas: Rondônia. Reunidas por meio de cooperativas, as famílias dos produtores mostram que é possível conciliar geração de renda e preservação ambiental. Mesmo sob forte pressão de setores como a pecuária e o madeireiro.

Assim como outras regiões da Amazônia, a Ponta do Abunã sofreu os impactos das queimadas em 2019, com algumas das propriedades das famílias da cooperativa sendo invadidas por fogo iniciado em áreas vizinhas.

A PERVERSA "POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO"

Rondônia é o estado da Amazônia que melhor representa os impactos da “política de desenvolvimento” concebida para a região pela ditadura militar brasileira (1964-1985). Os lemas “ocupar para não entregar” e "terra sem homens para homens sem terras" atraíram uma onda de camponeses do Centro-Sul do país.

Instalados em projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o pré-requisito para esses migrantes conseguirem permanecer nas terras era justamente desmatá-las. O resultado é que Rondônia perdeu, nas últimas décadas, milhares de hectares de floresta para a agricultura e a pecuária. E hoje se vangloria de ser um dos maiores produtores de grãos e carne do Brasil. O custo disso, contudo, foi a destruição da Amazônia.

As últimas porções remanescentes de floresta estão em áreas protegidas. Ainda assim, cada vez mais pressionadas pela grilagem e pelo agronegócio. Durante as queimadas de 2019, Rondônia foi um dos estados que mais chamaram a atenção porque Unidades de Conservação e Terras Indígenas foram castigadas pelo fogo. Também foi um dos que mais exigiram a intervenção da Operação Verde Brasil, ação do Exército de combate às chamas, uma resposta do governo federal à cobrança internacional para salvar o bioma.

O IMPACTO DO FOGO NO PROJETO RECA

“O uso do fogo voltou fortemente em 2019. Já fazia muito tempo que não víamos tanta fumaça na região”, diz Fábio Vailatti, coordenador do Projeto Reca. “Dos nossos associados, dois foram prejudicados por queimadas iniciadas em propriedades vizinhas. Eles não tiveram como combater as chamas e perderam seus plantios”. Em uma das situações, além de toda a safra de pupunha e cupuaçu ser destruída, a casa onde o produtor vivia virou cinzas.

Vailatti conta que houve prejuízo tanto nas áreas plantadas no sistema agroflorestal quanto na floresta nativa. É na mata que os associados fazem a coleta da castanha e também obtêm renda com a venda do carbono estocado. Para impedir perdas maiores, os cooperados tiveram de fazer aceiros para evitar que o fogo iniciado em propriedades próximas não invadisse suas terras.

Apesar das dificuldades, os cooperados seguem firmes, pois a missão do Projeto Reca é ser referência em sustentabilidade. “Sempre foi apresentado para essas famílias que era preciso derrubar a floresta. O Incra obrigava todo mundo a fazer isso para consolidar a posse do lote”, destaca Vailatti. “Mas descobrimos que trabalhando com os produtos da floresta poderíamos ter uma vida digna”. Os principais são cupuaçu, açaí, palmito e semente de pupunha lisa.

© Projeto Reca / WWF-Brasil









 





 
“O melhor modelo para trabalhar é com parcerias, como essa com o WWF, que é muito importante para nós porque vem ao encontro do que precisamos”, ressalta Fábio Vailatti, coordenador do Projeto Reca. 

PARCERIA COM O WWF-BRASIL

Para evitar que as últimas áreas de floresta sofram mais com ações predatórias, o Projeto Reca fez parceria com o WWF-Brasil para a criação de uma brigada de incêndio e aquisição de itens de combate ao fogo - como duas carretas-tanque com capacidade para 5 mil litros de água, bombas costais e abafadores - e equipamentos de proteção individual, como máscaras, capacetes e óculos.

Em Nova Califórnia, distrito da Ponta do Abunã onde está a sede do Projeto Reca, não há quartel do Corpo de Bombeiros. O mais próximo fica a 360 quilômetros, em Porto Velho. Além de ter de pegar estrada para ir de um lugar ao outro, também é necessário atravessar o rio Madeira de balsa, o que torna ainda mais necessário haver pessoas capacitadas para o combate ao fogo na própria região.

Por isso, o Projeto Reca treinará quase todos os seus 260 integrantes para atuar como brigadistas. Espera-se que o impacto do fogo seja reduzido daqui em diante, impedindo a destruição da única fonte de renda dos cooperados. Além de Porto Velho (Rondônia), há associados nos municípios de Acrelândia (Acre) e Lábrea (Amazonas). O Projeto opera em uma área de 12 mil hectares, beneficiando diretamente mais de mil pessoas e, indiretamente, 2 mil.

“O melhor modelo para trabalhar é com parcerias, como essa com o WWF, que é muito importante para nós porque vem ao encontro do que precisamos”, ressalta Vailatti. “Temos que continuar preservando a floresta e não podemos perder o que plantamos. Não teríamos condições de fazer isso sozinhos”. Ele conta que a expectativa em relação à brigada é grande. “Temos 10 grupos de associados organizados para atuar. Eles se dividem por ramais, por distância. Vamos fazer o treinamento para evitar o uso do fogo no plantio. E, se houver queimadas, para o combate”, diz. “Saber enfrentar o fogo é essencial, pois não se coloca a vida da pessoa em risco e o combate é mais efetivo”.

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