outubro, 24 2025
Por Ana Maria Barbour, especial para o WWF-Brasil
A região do médio Rio Doce, no estado de Minas Gerais, é marcada pela forte degradação ambiental e altos índices de pobreza. Essa realidade está fortemente associada ao seu histórico de ocupação. Por ser uma área extremamente montanhosa, a derrubada da Mata Atlântica nativa lançou um processo erosivo violento, que prejudicou muito a fertilidade do solo. Essa situação, somada à emergência climática vem afetando a renda de produtores rurais, bem como todo o ecossistema local. Não bastasse isso, em 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), criou uma grave crise social e ambiental.
“Foi nesse contexto drástico que o WWF-Brasil elegeu a Bacia do Rio Doce como umas das paisagens prioritárias para receber apoio em projetos de restauração, que hoje já entregam resultados importantes, em grande escala, envolvendo pequenas, médias e grandes propriedades, além de uma comunidade indígena", conta Leda Tavares, Especialista de Conservação do WWF-Brasil.
Essa aldeia é a Geru Tucunã Pataxó, localizada no município de Açucena (MG), em um vale cercado por morros e colinas. Ela abriga 87 pessoas, distribuídas em 32 famílias, a maioria composta por descendentes das lideranças Bayara e Sapucaia. Desde sua fundação, em 2010, seus integrantes enfrentam desafios constantes, como a tentativa de expulsão por posseiros, destruição ambiental causada por incêndios, invasão de búfalos nas nascentes e plantações. Ainda assim, a comunidade segue lutando pela proteção de suas terras e pelo desenvolvimento sustentável, buscando sempre manter vivas suas tradições e práticas ancestrais.
O cacique da aldeia, Bayara, lembra que antes do estabelecimento dos indígenas, a área era usada para criação de búfalos, o que degradou o solo e causou a devastação da vegetação nativa. “Quando chegamos nessas terras, não tinham casas, nada, só capim. Então começamos a resgatar nossa memória viva, para construir nossa vida aqui”. Esse processo levou a comunidade a buscar parcerias para a restauração ambiental, visando a recuperação do ecossistema e o fortalecimento cultural e econômico.
Assim, no início de 2024, o WWF-Brasil apoiou a viabilização do início do processo de restauração em 258 hectares do território, sendo oito em Sistema Agroflorestal (SAF).
O SAF é uma técnica que une a recuperação ambiental com a produção de alimentos, integrando espécies florestais nativas, frutíferas e de uso agrícola. “Essa iniciativa, ao mesmo tempo que promove a restauração da biodiversidade e da terra degradada, provê alimentos diretamente para a comunidade, melhorando a segurança alimentar. Além disso, a produção excedente pode ser comercializada, gerando uma fonte de renda e autonomia para todos que ali vivem, explica Gabriela Pereira, Analista de Conservação do WWF-Brasil.
Segundo Sinaré Braz, integrante da Aldeia, o SAF surgiu inicialmente como um processo de aprendizagem de produção sustentável, mas essa expectativa cresceu. “Toda a comunidade abraçou essa iniciativa e hoje enxergamos isso como a sustentabilidade de cada família no futuro", afirma.
Para a implantação do Sistema Agroflorestal o WWF-Brasil contratou uma consultoria que buscou compreender a realidade local e fez um levantamento das espécies de interesse econômico para a comunidade. Além disso, buscou-se fortalecer e dar autonomia à aldeia, fazendo o acompanhamento da implantação do SAF, promovendo capacitações técnicas periódicas e a estruturação de um canal de comercialização (via mídias sociais) dos produtos de artesanato produzidos pelos indígenas. Também foi elaborado o protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada da aldeia, um importante instrumento de diálogo dos indígenas com a população em geral.
Luta por reconhecimento e sobrevivência
Geru Tucunã significa, na língua patxohã, papagaio na palma do tucum. A aldeia que leva esse nome é um testemunho vivo da resistência e resiliência dos Pataxó ao longo do tempo. Um povo que teve de enfrentar trágicos acontecimentos históricos, como o incêndio em Barra Velha (Porto Seguro-BA) no ano de 1951, quando se viu obrigado a migrar para outras regiões; e foi ignorado na implantação do Parque Nacional do Monte Pascoal, que desconsiderou a ocupação indígena da área.
Em Minas Gerais, a luta para existir e persistir dos Pataxó também teve como oponente o regime militar, que os forçou a viver em presídios indígenas, como o Reformatório Krenak e a Fazenda Guarani, nos anos 1960 e 1970. A partir de 1986, os Pataxó se reorganizaram em várias aldeias no território da Fazenda Guarani, no município de Carmésia e, mais tarde, criaram novas comunidades fora dessa área, como a aldeia Cinta Vermelha-Jundiba, no Vale do Jequitinhonha, e a aldeia Muã Mimatxi, em Itapecerica (MG).
Geru Tucunã foi fundada em 2010, quando parte da comunidade Pataxó, liderada por Bayara e Clemes Pataxó, se estabeleceu no Parque Estadual do Rio Corrente. Desde então, os Pataxó têm trabalhado incansavelmente para garantir a preservação ambiental do local, reflorestando áreas degradadas e buscando o reconhecimento oficial de seu território. Em 2018, um decreto do Governo de Minas Gerais determinou a área como de interesse social e reconheceu o limite do território indígena para fins de regularização fundiária do Parque Estadual de Rio Corrente. Em 2019, foram realizados estudos de georreferenciamento, que aguardam aprovação legislativa para consolidar a aldeia como uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS).