Tecnologia ajuda comunidades da Amazônia a conviver com botos e aumentar pesca em até três vezes

outubro, 24 2025

Experiência com uso de pingers na Flona Tapajós e ações no Cerrado inspiram cartilha de coexistência, entre comunidades tradicionais e golfinhos de rio

Por WWF-Brasil,

O uso de uma tecnologia simples e acessível está transformando a relação entre pescadores e botos na Amazônia. O WWF-Brasil, em parceria com a Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema), testou na Floresta Nacional do Tapajós (PA) o uso dos pingers, pequenos dispositivos acústicos instalados nas redes de pesca que emitem sons de alta frequência capazes de afastar os golfinhos sem causar danos.

Os resultados foram animadores: houve redução de 40% nos danos às redes de pesca e aumento de até três vezes na quantidade de peixes capturados, sem registros de emalhe ou morte acidental de botos. Além dos números, o projeto gerou uma transformação na percepção na comunidade ribeirinha, que passou a reconhecer os botos como aliados no equilíbrio do rio, e não como competidores. A experiência foi realizada na comunidade de Prainha I, em 2023 e 2024, na margem direita do rio, na FLONA Tapajós. A comunidade abriga 34 famílias que têm na pesca seu sustento e atividade comercial principal. A iniciativa foi conduzida a partir da metodologia conhecida internacionalmente como C2C (Conflict to Coexistence), reconhecida pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).

Símbolos da biodiversidade brasileira, os botos de rio enfrentam um rápido declínio populacional. A perda de habitat, a contaminação das águas, a pressão da pesca comercial, o garimpo ilegal e os efeitos das mudanças climáticas e as capturas incidentais (bycatch) ameaçam a sobrevivência dessas espécies. O Brasil abriga três espécies de botos: o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), o tucuxi (Sotalia fluviatilis) e o boto-do-Araguaia (Inia araguaiaensis), este último a única espécie 100% brasileira, descrita em 2014 e já classificada como Vulnerável (VU) à extinção.

Mariana Frias, analista de conservação do WWF-Brasil, afirma que os botos são verdadeiros bioindicadores da saúde da natureza e sua presença sinaliza rios equilibrados, com ecossistemas saudáveis e oferta adequada de alimento. “O declínio dessas populações revela o impacto direto da degradação ambiental, do garimpo e da pesca predatória. Nosso trabalho, com as comunidades na Amazônia e no Cerrado, mostra que é possível mudar esse quadro. Quando pescadores e pesquisadores atuam juntos, adotando práticas de coexistência e tecnologias como os pingers, todos ganham: o boto, o peixe e o pescador. A coexistência é o caminho para a conservação e para a segurança alimentar das populações que vivem do rio”, ressalta.

“Essa experiência contribuiu para mudar a forma como a comunidade enxerga os botos. Hoje, há uma compreensão maior sobre o papel desses animais no equilíbrio do rio e na manutenção das espécies. Essa mudança de percepção é essencial para fortalecer a convivência entre as pessoas e a natureza e ampliar horizontes para a continuidade da pesca de maneira sustentável”, destaca Neriane da Hora, da Sapopema.

As ações do WWF-Brasil têm avançado também em parte da bacia Tocantins-Araguaia que fica no Cerrado e onde vive o boto-do-Araguaia (Inia araguaiaensis), a única espécie de boto exclusivamente brasileira e uma das mais ameaçadas. A região concentra importantes nascentes e é estratégica para a segurança hídrica do país, mas também enfrenta pressões intensas do desmatamento e da pesca comercial.

Para enfrentar esses desafios, o WWF-Brasil coordena a Rede pela Conservação do Boto-do-Araguaia (REBOTO), uma articulação inédita que reúne governos estaduais, universidades e organizações locais. O trabalho vem promovendo diagnósticos participativos de conflitos e oficinas C2C (Conflict to Coexistence) em comunidades do Médio Araguaia (GO) e no rio Paranã.

Entre os resultados mais significativos estão o fortalecimento das práticas tradicionais de manejo sustentável, a valorização do conhecimento local e o desenvolvimento de novas alternativas de geração de renda, como o turismo de base comunitária voltado à observação responsável de botos. Essa iniciativa tem aproximado as comunidades do conceito de conservação produtiva, em que proteger os rios e a fauna também significa garantir alimento e renda para as famílias locais.

Cartilha reúne aprendizados e boas práticas
 

Os resultados dessas iniciativas na Amazônia e Cerrado inspiraram o lançamento da cartilha Coexistência com Botos que reforça a contribuição do projeto para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente a erradicação da pobreza a fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar e a vida na água.

O material reúne aprendizados e boas práticas testadas em campo, com orientações sobre o uso dos pingers, o manejo sustentável das redes de pesca, o respeito ao ciclo reprodutivo dos peixes e a preservação das matas ciliares. Essas ações, somadas à manutenção de rios livres e conectados, são fundamentais para garantir a circulação de peixes e botos, fortalecendo a conectividade entre espécies e a integridade dos ecossistemas aquáticos. 

A publicação também traz recomendações sobre o resgate de animais enredados e destaca que a coexistência entre humanos e botos é essencial para a manutenção da segurança hídrica e alimentar.

A cartilha é uma publicação do WWF-Brasil com a colaboração da Sociedade Para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema) Floresta Nacional do Tapajós (FLONA Tapajós) Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Comunidade Prainha I e Instituto Aqualie. Clique aqui para fazer o download da cartilha.

Capa da Cartilha de coexistência com botos
© WWF- Brasil
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