Garimpo ilegal na Amazônia: controle da comercialização e poder cidadão podem evitar uma catástrofe
abril, 30 2021
Povos indígenas e especialistas revelam soluções para mitigar impactos nocivos da atividade nas pessoas e no meio ambiente
Povos indígenas e especialistas revelam soluções para mitigar impactos nocivos da atividade nas pessoas e no meio ambiente Por Renata Pena
WWF-Brasil
No momento em que você lê esta notícia, o garimpo ilegal de ouro na Amazônia acontece, de forma imparável, e causa doenças graves nas populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas, violência e desmatamento. A estimativa é de que mais de 200 mil pessoas trabalhem na atividade, alavancada pelo aumento do preço do metal e pela sinalização, por parte do governo federal, de liberar a exploração em Terras Indígenas (TIs).
Desde 2018, os pedidos de exploração, por parte de empresas, têm aumentado drasticamente. Para se ter uma ideia, em 2020, registrou-se um recorde de número de pedidos. Para mitigar os efeitos negativos dessa atividade ilegal, o controle de comercialização e o poder cidadão são as duas principais soluções.
Esse panorama criado pelo garimpo ilegal do ouro na Amazônia, os impactos negativos às pessoas e ao meio ambiente e as soluções para mitiga-los foram tema de debate organizado pelo WWF-Brasil nesta sexta-feira. Participaram Elcio Manchineri, indígena e integrante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Larissa Rodrigues, gerente de projetos e produtos do Instituto Escolhas, e os especialistas Marcelo Oliveira e Deborah Goldemberg, do WWF-Brasil.
Confira a seguir os principais destaques da conferência:
Panorama atual
Entre 2017 e 2019, 10 mil hectares de floresta amazônica foram destruídos em apenas três terras indígenas (Mundurucu, Kayapó e Yanomani) por conta do garimpo ilegal de ouro, mostrou Marcelo Oliveira do WWF-Brasil. Em média, 5 toneladas de ouro são produzidas em média a cada ano. Enquanto isso, há falta de servidores na Agência Nacional de Mineração (ANM) para realizar a regulação do mercado e o discurso do governo federal sinaliza a liberação da exploração em terras indígenas e a flexibilização no licenciamento ambiental.
Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, contou que um estudo realizado pela organização durante 12 anos, e que analisou indicadores como educação, saúde e renda per capita, revelou que os efeitos do garimpo são temporários. “É incapaz de transformar a realidade local e não provoca o desenvolvimento social e econômico das comunidades onde ele acontece, pelo contrário, seus efeitos são mais nocivos do que benéficos”, afirmou. Larissa destacou que os pedidos para exploração cobrem 6,2 milhões de hectares de Terras Indígenas e Unidades de Conservação – o equivalente a 40 cidades de São Paulo.
"Não é possível saber se o ouro foi explorado legal ou ilegalmente, pois eles se misturam no começo da cadeia”, afirmou Deborah Goldemberg, do WWF-Brasil. “Para entrar no mercado legalmente, basta uma autodeclaração preenchida à mão. O vendedor pode afirmar que saiu de uma área X (legal), mas que na verdade vem de uma área Y (ilegal)”, contou Larissa Rodrigues.
Impactos negativos nos povos indígenas
“A liberação das TIs para terceiros, prevista em projetos de lei e instruções normativas, causa desmatamento, destruição ambiental e desorganização social. É um perigo afrouxar a legislação ambiental”, afirmou Elcio Manchineri, indígena e representante da Coiab.
Manchineri destacou o PL 191/2020 que libera a exploração de recursos minerais e hidrográficos nas terras indígenas para terceiros e indica que apenas 1% dos recursos financeiros gerados pela atividade seriam destinados aos seus habitantes: “voltamos ao século XVIII, quando os éramos considerados incapazes".
Manchineri também mencinou o PL 510 que beneficia a grilagem. “Por esse texto, vale declaração de próprio punho de pessoas que invadiram terras indígenas afirmando que são residentes há anos. Isso ameaça gravemente a existência futura de todos os quilombolas, povos indígenas e extrativistas”, afirmou.
Impacto na saúde das pessoas e animais
Segundo Marcelo Oliveira, diversos estudos mostraram que mais de 80% das pessoas que vivem em áreas próximas ao garimpo estão contaminadas: “mesmo habitando em Áreas Protegidas, as pessoas estão sendo expostas à contaminação por mercúrio por conta do consumo de peixes. Algumas têm 30 vezes mais mercúrio no corpo do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”. O especialista do WWF-Brasil lembrou que as populações ribeirinhas têm no peixe sua principal fonte de proteína.
“Pedir para que essas comunidades mudem a sua dieta tradicional não é a solução. A Amazônia é gigantesca e para atuar em todas as áreas precisamos de apoio do governo, mas na situação atual eles não ajudam, pelo contrário, favorecem o genocídio dos povos tradicionais do Brasil”, afirmou. Oliveira recordou ainda um estudo elaborado pelo WWF que revelou contaminação de botos por mercúrio e outro, de 2013, que mostrou que onças da Amazônia continham em seu organismo os maiores níveis de mercúrio jamais encontrados em animais.
Soluções para mitigar os efeitos negativos do garimpo
O Projeto de Lei 836/2021, que prevê o controle de comercialização do ouro, foi apontado como uma solução positiva pelos especialistas.
Deborah Goldemberg, do WWf-Brasil, apresentou outras, como: “não comprar de origem desconhecida; estreitar os vínculos entre a mina e o mercado (eliminando intermediários); conceder incentivos financeiros; realizar uma reforma tributária; estabelecer um Pacto pelo Ouro Responsável (que identifica as conexões estratégicas da cadeia de produção e a rastreabilidade do produto) e campanhas de conscientização”.
“Existe no mercado um dispositivo que monitora onde as máquinas estão e quando entram em área ilegal indicam ao motorista que não deve entrar; insistindo, a máquina para. É um dispositivo quase gratuito e de fácil instalação. Queremos propor isso às empresas como forma de impedir a ilegalidade”, disse Deborah.
Elcio Manchineri finalizou sua participação com um apelo para que toda a sociedade se aproxime mais da floresta e seus povos. “O brasileiro precisa conhecer mais a sua terra, suas riquezas naturais para que perceba que esse patrimônio é dele também. É nosso”, afirmou.