Entrevista: Ministra Izabella Teixeira
13 junho 2012
A bióloga Izabella Teixeira é ministra do Meio Ambiente há dois anos, cargo que ocupa depois de suceder Carlos Minc de quem foi secretária-executiva desde 2008.
A bióloga Izabella Teixeira é ministra do Meio Ambiente há dois anos, cargo que ocupa depois de suceder Carlos Minc de quem foi secretária-executiva desde 2008.Funcionária de carreira do Ibama e com doutorado Planejamento Ambiental, Izabella Teixeira junto com os diplomatas brasileiros atuará como uma das anfitriãs da Rio+20.
Entre outras expectativas, ela deseja que a conferência da ONU construa Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, “um conjunto de metas a serem alcançadas de maneira universal por todos os países, respeitando seus níveis de desenvolvimento e características sociais”, em torno de temas fundamentais neste século 21: energia, recursos hídricos, segurança alimentar, produção e consumo. A seguir, a entrevista encaminhada por escrito.
O que a senhora fazia à época da Rio 92? Recorda-se de algum episódio que marcou a conferência?
Minha atuação tem sido como servidora pública, sou do Ibama, com várias passagens pela administração pública, na área de meio ambiente, tanto no Rio como em Brasília, onde agora sou Ministra. Na Rio 92 fomos todos mobilizados, pois antes que o tema do desenvolvimento sustentável ganhasse a adesão que hoje observamos em todos os setores, quem se interessava pela problemática ambiental eram essencialmente os ambientalistas e os técnicos que atuavam na área, além de acadêmicos. Além dos documentos inspiradores que estavam em pauta, tínhamos uma liderança carismática, empolgada do então secretário geral da Conferência, Maurice Strong. O que mais me surpreendeu na época, foi a manifestação do então chamado Fórum Global Paralelo, das ONGs, no Aterro do Flamengo. O Brasil nunca tinha visto aquilo. Eram todas aquelas tribos, da sociedade civil planetária que mostravam sua cara na primeira conferência global de meio ambiente. Fiquei muito impressionada com a forma como essa sociedade se organizou, participou e influenciou o processo, mudando para sempre o formato das conferências da ONU que passaram, a partir dali a envolver os chamados major groups, segmentos relevantes a serem envolvidos nas discussões e pactuações. Foi ali que o movimento de defesa da Mata Atlântica ganhou importância nacional e também teve o Planeta Fêmea - que foi o espaço para a discussão de gênero durante a Rio 92. Apesar da diversidade de ideias, de propostas, de iniciativas, toda a movimentação da sociedade civil era focada e orientada a objetivos, crenças e esperanças comuns. Foi um momento de otimismo que marcou a atuação dos ambientalistas para sempre. Fez história.
Quais países tiveram participação mais destacada na Rio 92? Como foi a participação dos países latino-americanos?
Os resultados da Rio 92 foram construídos a partir de esforços conjuntos dos países participantes. Historicamente, ela foi a conferência das Nações Unidas com maior participação de chefes de estado – entre as realizadas fora da sede da ONU em Nova Iorque. Esse fato reflete a importância global dada pelos países aos debates que estavam sendo feitos. Por isso, torna-se difícil destacar alguns países em particular, era um momento de maturidade global em torno dos objetivos que vieram a ser alcançados na Cúpula. Mas ainda havia pitadas de sentimentos tipo “Norte e Sul” e os países latino-americanos, por exemplo, fizeram um documento chamado “Nossa própria agenda”, para marcar a resistência dos países desenvolvidos que, naquele momento, não queriam discutir pobreza, mas somente florestas. Gostaria de ressaltar que a atuação do Brasil, naquela oportunidade, foi muito além da de mero anfitrião, tendo seu papel sido particularmente importante na construção de consensos e de mediação dos conflitos para os resultados alcançados. É importante destacar também que a configuração geopolítica hoje é completamente diferente. Além do fenômeno da globalização ter se aprofundado, nações emergentes como o Brasil, na época eram nações em desenvolvimento e vários países não possuíam ministérios de meio ambiente ou instâncias similares. Em relação a Estocolmo 72, a Rio 92 consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável, e além de envolver a sociedade civil mobilizou o empresariado, trazendo a discussão econômica que não era central nos debates daquela década.
Quais os principais legados da conferência Rio 92?
A Rio 92 nos deixou uma riqueza de legados não só no âmbito de suas deliberações quanto do seu processo de construção. Três dos mais importantes marcos internacionais sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente foram estabelecidos nessa conferência: a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.
Além dessas Convenções, a Agenda 21 e a Declaração do Rio, também adotadas na Rio 92, foram essenciais para a consolidação do conceito de “desenvolvimento sustentável” e são até hoje referências para as principais negociações internacionais. Esse foi o início de uma nova era da ordem multilateral para o desenvolvimento sustentável. No que tange aos processos, a Rio 92 mostrou um grande entendimento internacional em torno da importância do sistema multilateral das Nações Unidas como mecanismo para a solução dos grandes problemas globais, importância que hoje, 20 anos depois, parece ter-se arrefecido. Além disso, a Rio 92 abriu espaços para uma nova forma de trabalhar temas internacionais a partir de um diálogo mais intenso com atores não governamentais. O engajamento da sociedade civil nos debates se intensificou, desde então se tornando crescente vetor de influência nas esferas de decisão.
Entre as resoluções daquela conferência, alguma área não avançou?
Este é justamente o momento em que estão sendo feitas as avaliações dos pontos nos quais avançamos, onde não houve avanços e as razões disso. É inegável que o grande compromisso político alcançado com os resultados da Rio 92 não se traduziu em vontade política para a sua implementação e a ideia de desenvolvimento sustentável consiste, ainda, em um conceito que enfrenta graves barreiras na sua implementação. Esse também é um dos objetivos da Rio+20, entender os entraves para a implementação do que foi deliberado e traçar caminhos para realizar as mudanças necessárias para um desenvolvimento sustentável que respeite o meio ambiente, permita a inclusão social e o crescimento econômico. Em cada conferência dessa, digamos “família” de conferências que podem ser reputadas como de meio ambiente e desenvolvimento, obtivemos um ganho. Em 1972 ganhamos institucionalização e capacidade dos estados em regular; em 1992, ganhamos um conceito desafiador, a mobilização da sociedade civil e assistimos a globalização do movimento ambientalista. Por exemplo, nem o Greenpeace, nem o WWF tinham escritório no Brasil, isso ocorre depois da Rio 92. Na Rio+20 a bola está com a economia, a economia da inclusão com proteção ao meio ambiente.
Qual deveria ser o principal resultado da Rio+20?
Espero que a Rio+20 constitua um importante processo para a renovação do compromisso internacional com o desenvolvimento sustentável, mas espero também que a Conferência não constitua, apenas, a reafirmação dos princípios e resultados da Rio 92. Espero decisões concretas que sinalizem o fortalecimento do sistema multilateral e impulso para a adoção de modelos de desenvolvimento sustentável nas próximas décadas. Acredito, em particular, na construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de metas a serem alcançadas de maneira universal por todos os países, respeitando seus níveis de desenvolvimento e características sociais, econômicas e ambientais, em torno de temas que reflitam questões essenciais dos desafios do desenvolvimento sustentável, como energia, recursos hídricos, segurança alimentar, produção e consumo, entre outros. Outra expectativa é conseguirmos definir uma instância de governança no âmbito das Nações Unidas que ofereça coordenação e coerência às diversas ações e iniciativas em torno do desenvolvimento sustentável, por meio de um Conselho ou Fórum das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável. Além disso, é importante que a Rio+20 tome decisão para o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a fim de que esse Programa tenha autonomia e estrutura política e financeira para fazer frente aos grandes desafios mundiais na área ambiental.
Qual sua opinião sobre o texto base da Rio+20?
O texto que se encontra hoje em discussão constitui reflexo dos interesses, necessidades, prioridades e vontades de quase 200 países. Não é por outra razão que ele tem sido acusado de falta de foco e de ambição. Contudo, há importantes elementos de consenso que devem ser explorados e essa é a fase final do processo, quando deveremos focar mais no que nos une do que naquilo que nos divide. Se antes verificava-se a resistência de alguns países a sequer discutir alguns dos principais temas na agenda de negociação, hoje todos os países buscam aprofundar consensos em torno das questões-chaves da Conferência. Chama atenção o fortalecimento dos debates e proposta em torno da economia verde, dos objetivos do desenvolvimento sustentável e de mudanças concretas nas estruturas das Nações Unidas para que tenham coerência com o desenvolvimento sustentável. Os países têm expectativas nesses três aspectos porque eles sinalizam um entendimento internacional em torno do que queremos para o planeta como resposta aos grandes desafios globais.
Como setor empresarial e sociedade civil podem contribuir para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável?
Uma expressiva modificação dos últimos vinte anos é a forma como a sociedade civil, incluído aí o setor empresarial, passou a influenciar a forma como se move o planeta. É inegável, hoje, o papel da sociedade civil e do setor empresarial na construção de um novo modelo de desenvolvimento com inclusão social e crescimento econômico, com utilização sustentável e conservação de recursos naturais. Debates como o de mudanças nos padrões de produção e consumo passam exatamente pela revisão de modelos de negócios e suas relações com os ecossistemas e os direitos humanos. As empresas têm ainda o diferencial de sua experiência em dar respostas inovadoras e imediatas às mudanças de mercado, esse aprendizado é fundamental para o momento atual. A sociedade civil por meio de suas organizações e movimentos sociais tem avançado nos debates sobre os três eixos do desenvolvimento sustentável, constituindo um acúmulo que governos, presos a lógicas imediatas de resultados políticos e de princípios de soberania, nem sempre conseguem alcançar. Toda essa bagagem é muito importante para influenciar a forma como os países se posicionam nos processos intergovernamentais os quais, infelizmente, ainda não contemplam de maneira adequada o papel dos atores não governamentais. Esse é, inclusive, um objetivo que temos para a Rio+20, a sinalização de meios e formas mais adequadas de participação da sociedade civil na tomada de decisões dos processos multilaterais. Por outro lado, as mudanças que queremos só serão possíveis se forem realizadas também no campo das decisões individuais, por isso é importante também um grande processo de conscientização em torno de uma cidadania planetária. Outro ponto que eu destacaria é a necessidade de conversarmos com a sociedade de massas. Temos algum know-how para falarmos com a sociedade civil organizada, mas quase nada temos de acúmulo no convencimento dos consumidores, por exemplo, de que escolhas mais criteriosas são necessárias para conservarmos nossos recursos naturais que são, em última instância, condição basilar de podermos desenvolver e crescer nos próximos anos. Falta um movimento de massas em prol da sustentabilidade. Este é um desafio que destaco.
Qual o papel das economias emergentes - como os BRICs - no impacto e nas soluções para as questões ambientais?
As economias emergentes surgem em um cenário geopolítico e ambiental muito diferente daquele no qual as atuais grandes potências se fortaleceram. Os caminhos utilizados naquela época não levaram em consideração as consequências das práticas adotadas para o desenvolvimento e seus impactos ambientais e sociais. Hoje não é mais possível pensar em um crescimento econômico sem combate à pobreza e conservação ambiental. O Brasil foi um dos países que nos últimos anos mostrou como é possível fazer isso. Somos hoje a sexta economia mundial ao mesmo tempo em que avançamos no combate à pobreza e na redução de emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global além de criar muito mais áreas de preservação do que nos anos anteriores. Os BRICs têm esse desafio, de mostrar como é possível avançar mantendo esse equilíbrio e possuem ainda o papel chave de promover o fortalecimento do multilateralismo para promoção do desenvolvimento sustentável em todo o mundo. Outra questão importante é a importância econômica, de financiar um novo desenvolvimento. Está sendo discutido hoje, pelos bancos de desenvolvimento na China, na Rússia e no Brasil, o nosso BNDES, como constituir fundos e fluxos financeiros que possam fortalecer uma cooperação Sul-Sul.
Qual a viabilidade da estruturação da chamada "economia verde"? Uma ”economia azul” seria também importante?
A expressão “economia verde” tem sido um conceito disputado por forças políticas diversas e a “cor”, francamente, não é o que importa. Você mesmo usou economia azul e imagino que é para falar dos oceanos, da água potável, então na verdade a economia sustentável precisa de um caleidoscópio. Mas acho que o “verde” que foi adicionado é para enfatizar a importância do pilar ambiental, é para que certos modelos de crescimento não sofram a tentação de produzir uma alta performance social com baixa performance ambiental. Acho que não devemos perder tanto tempo com os conceitos, mas ir avançando para uma agenda pragmática. A forma como o Brasil vê a economia verde é a de um modelo econômico que seja inclusivo, com vigoroso crescimento econômico que promova inclusão social num cenário de baixa emissão de carbono e de conservação dos recursos naturais. Dessa maneira, inclui, naturalmente, a questão de águas e oceanos embutida na ideia de “economia azul”. A economia verde é uma ideia que precisa de instrumentos, de políticas robustas de desoneração de certas cadeias produtivas e de retiro de incentivos de outras, por exemplo. No Brasil nós acabamos de editar uma política revolucionária em seus métodos e objetivos, que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela pressupõe a criação de uma economia vigorosa e necessária da reciclagem, do reaproveitamento de materiais antes descartados. A agenda está aí, e isto é também economia verde. No geral, sabemos que uma economia verde deve ser menos intensiva em carbono e na utilização de matérias primas escassas, raras ou não renováveis, mas a discussão dessa ideia deve estar atrelada ao respeito às características e necessidade de cada país, de forma que as nações construam seus modelos de economia verde de acordo com seus interesses nacionais, sem receitas ou modelos únicos. Nesse mesmo sentido, outro meio de fazer essa análise é a revisão das métricas de progresso, para que existam indicadores como o Produto Interno Bruto (PIB), que incluam também aspectos relacionados à inclusão social e à conservação ambiental.
Num enfoque direcionado ao acesso dos cidadãos a comida, água, energia, como governos e sociedade devem olhar para o meio ambiente? Qual é a solução de futuro para Amazônia, o Brasil e a América Latina?
A questão de “acesso” constitui um dos grandes desafios para o desenvolvimento sustentável. A produção de alimentos, o uso de recursos hídricos e a geração de energia são grandes causadores de impactos ambientais, e possibilitar que a população humana de todo o planeta tenha acesso à comida, à água e à energia é um dos grandes desafios atuais. Acredito firmemente na conciliação desses objetivos, mas precisamos de vontade política para isso e o Brasil pretende, nesse aspecto, ser protagonista de um modelo de desenvolvimento que promova crescimento econômico aliado à inclusão social e à conservação ambiental. O futuro das nossas florestas e dos nossos povos; da Amazônia, da América Latina e de todo o planeta é o foco da Rio+20. O Brasil é um player nada desprezível neste jogo de xadrez. Esperamos conseguir obter consensos para trilhar caminhos que respondam aos desafios que estão colocados para todos nós, sem exceção, pois a humanidade é uma só e os impasses estão postos em horizonte demasiado curto e não podemos ignorá-los.