No rastro do pirarucu
18 novembro 2015
Iniciativa inédita no Brasil implanta rádios transmissores nos peixes para monitorar seus hábitos e rotas em lagos do Acre
O WWF-Brasil realizou recentemente uma missão pioneira no Brasil. Capturar pirarucus, implantar rádios transmissores em seus corpos e devolvê-los aos lagos. A proposta é que o trabalho de telemetria possa transmitir, pela primeira vez, informações sobre os hábitos e as rotas destes peixes sendo possível monitorá-los de forma contínua. A viagem aconteceu de 5 a 15 de novembro nos lagos Orácio e Formoso, próximos ao município de Feijó (AC), que fazem parte da bacia do rio Envira, e ao todo implantou a tecnologia em seis peixes.A necessidade de obter essas informações vem da ausência de dados científicos sobre o comportamento do pirarucu e sua sobrepesca na região do Acre. O peixe, que pode chegar a pesar 180 kg na fase adulta, é uma espécie importante para a economia pesqueira de Feijó, mas que atualmente se encontra em listas de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES).
A proposta é que o estudo sirva também para informar e ajudar as comunidades de pescadores locais nas melhores estratégias de pesca. De acordo com o especialista de pesca do WWF-Brasil, Antonio Oviedo, as informações sobre a ecologia espacial do pirarucu, seus movimentos sazonais, migrações para alimentação ou regulação da temperatura corporal, além do tamanho da área em que vivem, poderão ajudar a gestão da bacia do rio Envira. “A pesquisa poderá indicar áreas que servem como zona de alimentação e reprodução, definindo lagos com regras que protejam as populações de pirarucu. A atividade ainda faz parte do Plano de Melhoria para a certificação MSC do pirarucu, referente à ampliação do conhecimento sobre as populações de pirarucu da região”, explica.
Segundo ele, a telemetria oferece vantagens em estudos sobre a ecologia do pirarucu e têm apelo conservacionista, já que a pesquisa é feita com os peixes vivos, mas ainda existem muitos desafios para este tipo de estudo na Amazônia. “Em um dia de trabalho, por exemplo, nenhum pirarucu com tamanho suficiente para suportar o transmissor pode ser capturado, ou a captura pode levar até um dia e meio. A logística de campo para este tipo de estudo é enorme”, afirma.
José Alfredo é pescador da região há mais de 25 anos e participou da missão de campo junto com outros 12 colegas de trabalho. A atividade exigiu atenção de todos eles, pois a segurança do peixe e do pescador, assim como o tempo da operação são muito importantes. O conhecimento dos pescadores é essencial para o trabalho, já que são eles que observam os lagos e o comportamento dos peixes todos os dias. “Esse trabalho nos ensinou muita coisa. Agora a gente conhece mais o jeito do pirarucu e isso ajuda na captura do peixe vivo”, disse ele durante a missão.
Uma vez capturados pela rede, os pirarucus são medidos, e com o peixe acomodado em uma plataforma flutuante, agulhas e cabos de aço atravessam a base da nadadeira, onde ficará preso o transmissor. O peixe é então colocado numa maca por alguns minutos, para respirar e se recuperar, e depois devolvido ao lago.
Antes de o peixe ir para a maca de descanso, os pesquisadores implantam nele um marcador um fio de plástico com um gancho numa das pontas, recoberto por uma borracha colorida na qual está impressa uma mensagem, que diz que aquele peixe faz parte de um projeto de pesquisa. Quem o encontrar deve ligar para o número de telefone da Colônia de Pescadores de Feijó. “Se esses seis peixes forem capturados pelos pescadores essa será uma informação importante para medirmos o tamanho, o peso e seu deslocamento incluindo os lagos visitados por eles. Caso algum peixe marcado seja capturado e morto, esperamos obter o transmissor de volta a fim de implantá-lo em outro peixe”, explica.
Rádios transmissores
Com mais de três anos de vida útil, o transmissor funciona por tempo suficiente para registrar uma grande quantidade de dados sobre a ecologia espacial do pirarucu. “Queremos saber, por exemplo, quais lagos são usados por um indivíduo ou grupo de peixes, e se o pirarucu mantém uma residência em um determinado local. Vamos registrar isso com precisão durante as missões frequentes de rastreamento dos peixes”, avalia Oviedo.
Para monitorar os dados serão feitas missões de rastreamento móvel por barco utilizando uma antena e uma estação receptora, além da instalação de duas estações fixas de rastreamento, abastecidas por energia solar, que ficarão localizadas em pontos estratégicos da calha do rio Envira. O monitoramento ainda vai obter dados sobre a qualidade das águas e a produção pesqueira das outras espécies (peixe miúdo) por meio de um formulário instalado em um smartphone que é preenchido por um pescador coletor de dados.
A previsão é que a próxima missão de marcação de peixes com transmissores aconteça em maio de 2016. “Daqui para frente queremos aproveitar essas viagens para incluir estudos genéticos ao trabalho, usando um pequeno pedaço da nadadeira. Queremos checar se as populações de pirarucu daqui do rio Envira estão isoladas ou se elas se conectam com regiões vizinhas”, ressalta.
A Iniciativa faz parte do Projeto Pesca Sustentável, um projeto do WWF-Brasil com o apoio do Fundo Amazônia, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que também é financiado pelo projeto Sky Rainforest Rescue, uma parceria com a tevê britânica Sky.
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