Despedida do Molocopote e problemas no regresso

agosto, 17 2005

Depois de percorrer o alto rio Jari por uma semana, tendo a pista do Molocopote como base de apoio, a expedição partiu em direção à cachoeira do Desespero, maior obstáculo natural antes de alcançar a vila de São Francisco do Iratapuru, ponto final da viagem. Leia o relato escrito por Marcelo Creão e Marisete Catapan, técnicos em conservação do WWF-Brasil, sobre as dificuldades enfrentadas no dia 17 de agosto.
A noite do dia 16 para 17 pareceu infindável, com muitas preocupações quanto ao andamento da expedição. Depois que terminamos os trabalhos no escritório e guardamos os equipamentos, fomos para nossas redes. Antes de o dia nascer, ouvimos os silvos do apito do senhor Arraia. Logo em seguida, ouvimos o ligar do gerador de energia. Bernadete já estava nos preparativos do café e do almoço. Saímos às sete horas e um minuto, de acordo com o GPS do Cristiano Ferreira, responsável pela fiscalização do parque.

Era dia de despedida no Molocopote. Já no primeiro raiar do sol todo o pessoal, estava a todo vapor desmontando as suas redes, lonas, arrumando todo o material nos barcos. Seu Zé Maria e dona Madalena, moradores do Molocopote, têm dois cachorros e um mutum de estimação. Desde que chegamos, no dia 10 de agosto , o cachorro preto não se aproximou muito. Porém, o branco fez um grande chamego desde o primeiro dia. Na despedida, foi um sufoco: o branquinho não queria sair de dentro dos barcos. Quando tirávamos de um ele entrava em outro. Até que o Oziel ficou com ele nas mãos enquanto os barcos iam saindo.

Dona Madelena estava de pé nas primeiras horas desta manhã, como de costume, porém visitando todas as redes e barracas, como se estivesse se despedindo veladamente de cada um. Ela fez o seu café habitual e ofereceu. Sempre dizia que já estava com saudades, que íamos deixar lembranças dos oito dias que a expedição ficou no Molocopote. Dizia "é isso mesmo, esse é o trabalho de vocês... vocês tem que ir e eu tenho que ficar aqui". Seu Zé Maria mantinha sempre distância de maiores comentários.

Do porto, podíamos ver o casal que mora em um dos lugares mais isolados do país. Logo que partimos, a cabo Alcemira comentou que a dona Madalena chorava. Em menos de dois minutos sumimos da vista dos moradores do Molocopote. Dá para se imaginar que apenas o barulho dos motores dos três barcos, com os 19 integrantes da expedição, podia ser ouvido.

A manhã foi amena, com sol fraco e muitas nuvens. Não teve parada nem para o almoço, que foi nos barcos mesmo. A tarde, no entanto, parecia interminável, com o sol nos castigando. Quando olhávamos de um barco para outro, víamos o pessoal dormindo, talvez tentando fugir do sol. Não havia proteção possível e suficiente, apenas os bonés, as camisas de mangas compridas e as calças compridas.

A floresta continuava exuberante ao longo rio, que neste trecho, abaixo do Molocopote, alargou. Além disso, parece mais homogênea em termos de altura, com longos trechos de floresta sazonalmente alagada entrecortado por áreas um pouco mais elevadas. A diversidade florística não se alterou muito, mas sempre encontramos árvores que ainda não tínhamos percebido, ou com floração colorida a se destacar na paisagem.

Logo na saída, avistamos uma família de macacos "coamba", além de muitas espécies de aves, em especial um grupo de patos. Ainda no percurso observamos duas ariranhas brincando ao longo da margem e recebemos a visita de um gafanhoto e um louva-a-deus em nosso barco, que se deixaram fotografar em vários ângulos.

No meio da tarde, mais uma vez o motor de 40 HP deu problemas. Tivemos que substituí-lo pelo reserva. A troca foi realizada em pleno rio. Em seguida, o sargento René começou a desmontar o motor quebrado no próprio barco, com a ajuda do Vemar e Zé Maria. O trabalho continuou noite adentro.

Em torno das 17h, chegou o momento de escolher um local para o acampamento, tarefa bem difícil, pois atravessávamos um trecho de floresta inundável. Paramos em um pequeno barranco, sem as condições ideais e, por isso, não montamos a cozinha, que ficou dentro do batelão, o escritório, que ficou dentro da catraia, e a oficina, no outro batelão. O dia ainda estava claro quando todos foram tomar banho. Diante das dificuldades do local, a maioria tomou banho dentro dos barcos na popa, ou pendurados em árvores.

Hoje, percorremos 180 quilômetros, uma distância considerada excelente. Amanhã chegaremos à cachoeira Desespero, cumprindo mais uma etapa de nosso regresso.
Dona Madalena e seu Zé Maria, o casal que acolheu a expedição na pista de pouso do Molocopote
© WWF-Brasil / Marisete CATAPAN
Sargente Bené, do Batalhão Ambiental do Amapá, descansa durante a viagem sob o sol do Jari
© Marisete Catapan / WWF-Brasil
Louva-a-deus "visita" uma das embarcações da expedição
© WWF-Brasil / Marisete CATAPAN
Mirtáceas fotografadas na margem do rio Jari
© WWF-Brasil / Marisete CATAPAN
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