Sr. Valdemar: o defensor dos quelônios do Jauaperi
novembro, 12 2008
Para defender a floresta da qual se diz parte e os animais que nela vivem, Valdemar da Silva Brazão, de 54 anos, coloca em risco a própria vida. No período da desova de quelônios, ele e dois amigos dormem todas as noites na praia da Mariquinha, para garantir a reprodução das tartarugas.
Por Ana Cíntia GuazzelliPara defender a floresta da qual se diz parte e os animais que nela vivem, Valdemar da Silva Brazão, de 54 anos, coloca em risco a própria vida. No período da desova de quelônios (de outubro a meados de dezembro), ele e mais dois amigos dormem todas as noites na praia da Mariquinha, no rio Jauaperi, para impedir que traficantes desses animais e consumidores de seus ovos desembarquem na praia. Seu objetivo é garantir a reprodução dos bichos que sobem na areia para desovar.
Casado e pai de 10 filhos, Valdemar garante que se não forem tomadas rapidamente providências a favor da conservação da região, os recursos naturais se esgotarão. Ele lamenta o desaparecimento de algumas espécies, como peixe boi e pirarucu, e sente-se envergonhado por não poder apresentar esses e outros animais a seus filhos.
Valdemar é defensor da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi e garante que sua luta pela criação não terá fim. Ele não cogita deixar seu lugar e diz que seu maior sonho é garantir a conservação dos recursos naturais do Jauaperi para as próximas gerações.
A seguir, parte da entrevista feita na praia da Mariquinha, ontem, dia 11, horas depois de ele ter recolhido 41 ovos de tracajás depositados na noite anterior em duas covas encontradas na areia. As adolescentes Sílvia e Yara são encarregadas de enterrá-los em covas artificiais, onde permanecem por 50 dias e eclodem. Todos os filhotes nascidos no cativeiro improvisado em canoas de madeira são devolvidos ao rio Jauaperi. Esta foi a única maneira que Valdemar e seu amigo Paul Clark encontraram para tentar salvar alguns bichos de casco na região.
WWF-Brasil - Sr. Valdemar, conta o trabalho que vocês fazem aqui na praia da Mariquinha, por favor.
Valdemar Brazão - Nós chegamos aqui em 98 para fazer a nossa escola. Aí a gente ficou pensando o que a gente podia fazer aqui para preservar a natureza, o peixe, a madeira. Deixamos a praia. Aqui tinha madeireiro, muito gelador, mas muito gelador. Quase todo dia a gente via gelador aqui (geladores são barcos pesqueiros).
WWF-Brasil - Como era esse rio antes da entrada dos geleiros?
Valdemar Brazão - Era muito farto mesmo. Mas muito mesmo. Eu comecei a andar aqui eu tinha a idade de 10 anos. Esse rio era rico de tudo quanto era coisa: peixe, mutum, paca, anta. Era uma fartura enorme.
WWF-Brasil - E o que aconteceu?
Valdemar Brazão - Não tinha nenhuma regra, os geladores entraram e tinha muita fartura, mas eles tiravam muito, até acabar.
Eu pescava também, mas aí a minha família foi crescendo, foi crescendo e tinha muito filho e agora neto, aí eu pensava que eu estava tirando da boca dos meus filhos e do meu neto. Estou com 14 anos que trabalho na preservação. E eu vou até o final lutando pela preservação. Vou fazer igual ao Chico Mendes: vou morrer para defender o que é nosso daqui.
WWF-Brasil – Vocês vêm toda noite?
Valdemar Brazão - Toda noite. Nós fomos ameaçados aqui eu e a minha senhora, que está em Manaus. Ali naquela ponta de praia. O rapaz saiu e eu saí atrás dele pedindo: “Pelo amor de Deus, não tire as covas de ovos, meu amigo. Essa é uma praia de reprodução. Daqui a mais alguns dias você vai entender o que estou falando. Isso não vai servir só para mim, vai servir para os seus filhos também”. Ele saiu sem dizer uma palavra pra mim. Quando ele saiu com a canoa, ele disse: “Amanhã eu volto”. Aí deu um tiro de lá. Eu fiquei tremendo.
WWF-Brasil - E ele voltou?
Valdemar Brazão - Ele voltou. Este ano ele estava aqui de novo. Está fazendo umas duas semanas e ele estava aqui de novo. Voltou para tirar ovos. Ele não tirou, porque nós falamos com ele de novo. Com todo mundo a gente fala. Porque eles têm que pensar que com tudo o que está saindo daqui, não vai ficar nada. Não vai ser só pra mim. Nós estamos fazendo para todo mundo do rio. Porque não tem ninguém que faça esse trabalho que nós estamos fazendo.
WWF-Brasil - Como era antigamente?
Valdemar Brazão - Antigamente, há muitos anos, uma praia dessa começava a sair bicho de casco às quatro horas da tarde. Você passava por uma praia dessa e estava pretinho de bicho de casco. Hoje em dia só vão sair os bichinhos na praia quando está bem silêncio, quando não há zoada de motor.
Eu quero defender um pouco do que é nosso também.
Eu não tenho jeito de deixar isso para os outros virem e levar. O meu prazer é criar isso, é defender o que é nosso daqui para todo mundo.
WWF-Brasil - O sr. não pretende sair da floresta?
Valdemar Brazão - De jeito nenhum. Aqui é minha casa.