Para enfrentar queimadas, projeto do Fundo Casa apoiou 50 brigadas voluntárias
Iniciativa estruturou equipes de brigadistas de organizações de comunidades em situação de vulnerabilidade nos principais biomas; WWF-Brasil apoiou sete projetos na Amazônia
Brigadas voluntárias têm um papel fundamental na luta contra as queimadas, que seguem dizimando áreas naturais em todo o Brasil, depois dos recordes de devastação registrados nos últimos dois anos. A fim de fortalecer esse trabalho essencial, um projeto do Fundo Casa ajudou a estruturar 50 brigadas de combate ao fogo nos três maiores biomas brasileiros.
Na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, as organizações selecionadas para receber o apoio têm características bastante heterogêneas e enfrentam problemas muito diversos, mas todas elas têm algo em comum: estão localizadas em áreas especialmente ameaçadas pelas queimadas e de grande vulnerabilidade socioambiental.
Para distribuir os recursos, no valor total de R$ 1,5 milhão, o Fundo Casa lançou, em maio de 2020, um edital para selecionar projetos de resposta rápida apresentados por organizações de base de comunidades em situação de vulnerabilidade. O WWF-Brasil, que foi um dos parceiros do Fundo Casa, financiou sete projetos - todos eles na Amazônia, no valor total de R$ 210 mil.
"Na maior parte dos casos, apoiamos nessa chamada brigadas em formação ou já formadas. Em alguns casos, todos os brigadistas já haviam passado por cursos de formação e complementamos sua estruturação com a doação de equipamentos", explica Beatriz Cristina Roseiro, gestora de projetos do Fundo Casa.
As brigadas de combate a incêndios de cada uma das organizações estavam em diferentes estágios de consolidação, de acordo com ela. Por isso, alguns dos projetos tiveram foco na capacitação para combate ao fogo, técnicas de prevenção ou uso de equipamentos, como drones.
"Algumas organizações já tinham bombas costais, sopradores e outros materiais de combate ao fogo, mas faltava um drone, que foi comprado com recursos do projeto. Em outros casos, havia associações de moradores que precisavam de apoio inicial para formação da brigada, e foram realizados os cursos para uso de equipamentos ou de técnicas de prevenção, como a produção de aceiros", acrescenta Beatriz.
Dentre as organizações que tiveram projetos aprovados, algumas já fizeram a compra dos equipamentos necessários, mas ainda não foi possível realizar os cursos, por conta da pandemia. Ainda assim, as brigadas já estão trabalhando. "O apoio que demos contribuiu muito para o combate ao fogo em 2021, mas será muito mais valioso ainda na temporada de queimadas do próximo ano", pontua Beatriz.
Mas nem todos os projetos aprovados envolvem a atuação direta das brigadas. Quinze dos 50 selecionados têm foco em educação ambiental, comunicação e prevenção ao fogo. "Cada um foi atendido de acordo com sua necessidade. O critério fundamental se baseou em apoiar associações em áreas muito vulneráveis e ter um equilíbrio na distribuição territorial e na diversidade das comunidades", conta.
A lista dos 50 projetos aprovados foi apresentada ao WWF-Brasil, que selecionou sete para financiar. "O WWF-Brasil tomou o cuidado de optar por projetos heterogêneos, mesclando organizações indígenas, associações de guarda-parques, associações de moradores, de produtores rurais ou de quilombolas, por exemplo", diz ela.
De acordo com Osvaldo Barassi Gajardo, especialista de conservação e líder do núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil, “as brigadas comunitárias são uma estratégia bastante eficaz no combate ao fogo, pois são as primeiras a chegar aos locais atingidos e a agir para que os incêndios não tomem grandes proporções”.
Ele destaca que, em muitos pontos da Amazônia, por exemplo, não há unidades do Corpo de Bombeiros e a única maneira de lutar contra as chamas é com a atuação de voluntários. “Incentivar a criação de brigadas comunitárias e fortalecê-las também é uma resposta às mudanças climáticas, considerando que muitas queimadas ocorrem devido à ação de criminosos e a seca enfrentada nos últimos tempos agrava a situação”, acrescenta.
Desde 2019 o WWF-Brasil vem intensificando o apoio a brigadas. “Muitas vezes, as próprias comunidades nos trazem demandas desse tipo porque a proteção de seus territórios, como no caso de grupos extrativistas, indígenas e quilombolas, é fundamental para que elas consigam manter seu modo de vida”, salienta Gajardo. “No apoio ao Fundo Casa, além de levarmos em consideração a heterogeneidade para selecionar as sete organizações, também avaliamos o histórico de incêndios florestais nas regiões onde elas se localizam”.
Brigada jovem
Um dos grupos que recebeu apoio nos estágios iniciais para implementação de uma brigada jovem foi a Associação Agroextrativista da Reserva Extrativista Guariba do Rio Roosevelt (Amorarr), em Colniza, Mato Grosso, um dos sete financiados pelo WWF-Brasil.
"Os jovens aqui já receberam a capacitação da brigada. Tivemos muito empenho na organização de uma brigada porque a Resex estava cercada pelo fogo. Por isso, era extremamente necessário ter uma equipe preparada para o combate inicial. O fogo chega por todos os lados e está piorando a cada ano", salienta Raimunda dos Santos, coordenadora da Amorarr.
De acordo com ela, a Resex, que tem 164.224 hectares distribuídos nos municípios mato-grossenses de Colniza e Aripuanã, ainda não tinha nenhuma brigada atuante. "Nunca tivemos essa oportunidade. Para nós é um orgulho ter nossa própria brigada, porque lutamos diariamente contra o fogo nos arredores da Resex. A cada ano as queimadas se aproximam mais e, se chegarem à Resex, agora nós mesmos podemos fazer o primeiro combate e evitar que se torne um grande incêndio florestal", afirma.
Além de capacitar 15 jovens brigadistas voluntários para atuação na Resex e na área de amortecimento, o projeto incluiu a produção de quatro spots educativos veiculados em rádios locais de Colniza e Aripuanã, a distribuição de 1.500 folders e a realização de uma dezena de reuniões com o Ministério Público estadual e a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso para discussão de questões ambientais e sociais na Resex.
"Também realizamos duas campanhas educativas e cursos de capacitação para 80 lideranças e mil alunos e professores sobre práticas de manejo do fogo", diz Raimunda. Segundo ela, o projeto foi essencial para a autonomia da comunidade na ação de prevenção ao fogo.
Grilagem e fogo
"O Fundo Casa sempre usou essa estratégia de capacitar grupos locais para resposta rápida, dando autonomia para que as brigadas atuem em seus próprios territórios", acrescenta Beatriz.
Essa resposta rápida se torna ainda mais relevante no cenário atual, com períodos de seca cada vez mais prolongados. "Quando as queimadas começam, a demanda é enorme e, com o acesso quase sempre difícil para os bombeiros, é fundamental ter os moradores preparados para esse primeiro combate", alerta Beatriz.
A importância do combate ao fogo vai além de cada territórios em si. "As mudanças climáticas estão favorecendo secas prolongadas, que levam ao acúmulo cada vez mais material inflamável. Por ameaçar a floresta amazônica, o fogo nessas regiões passa a ser um problema de importância para todo o planeta. E, além da pressão das mudanças climáticas, há um crescente número de incêndios criminosos", destaca Beatriz.
Em Canutama, na região do Rio Purus, no Amazonas, os incêndios criminosos e invasões de áreas de conservação têm sido um dos problemas mais recorrentes. Por isso, a Organização do Povo Indígena Mura do Itaparanã (Kanawary), que já possuía sua brigada anti-incêndio, submeteu ao Fundo Casa um projeto capaz de aprimorar sua atuação em um território extremamente pressionado.
"Precisávamos de equipamentos que nos permitissem não apenas combater o fogo, mas fazer a vigilância, identificar os focos de queimadas no campo nativo ou na mata, fornecer apoio aos brigadistas, observar movimentação de desmatadores e, principalmente, para documentar esses crimes, de forma que pudéssemos fazer denúncias qualificadas às autoridades", diz o coordenador da Kanawary, Jhyerony Belém.
O projeto, que também foi um dos sete financiados pelo WWF-Brasil, permitiu a compra de uma moto, carreta para transporte de materiais de enfrentamento às queimadas, equipamentos de proteção individual e materiais de uso permanente para os voluntários das brigadas.
"A moto foi especialmente importante neste momento, porque nossa prioridade é deter a ação de invasores e precisamos circular com agilidade pelo território, que está em uma situação de total risco e vulnerabilidade. Nossa região tem constantes invasões de madeireiros, mas principalmente de grileiros. O roubo de terras é cada vez mais comum", diz Jhyerony.
Cerco de fogo
De acordo com ele, o povo Mura ainda não conseguiu a demarcação de sua Terra Indígena, mas seu território se sobrepõe a áreas de conservação que não têm sido respeitadas. "Mesmo dentro do nosso território aparecem placas colocadas por grileiros para delimitar propriedades. Nossa intenção é coibir isso, acessando os locais com a moto, ou com drones, e produzindo material audiovisual para caracterizar as denúncias", explica.
Jhyerony conta que os brigadistas indígenas já flagraram por diversas vezes grupos de criminosos desmatando e queimando áreas protegidas, a menos de dois quilômetros dos limites da Floresta Nacional de Balata-Tufari.
"Recentemente conseguimos registrar uma grande queimada muito próxima à nossa aldeia, que chegou a destruir nossas castanheiras. Tudo isso em plena área de amortecimento. Fizemos uma denúncia detalhada ao Ministério Público Federal. Em expedição, flagramos mais de 20 homens derrubando a mata durante um mês. Eles destruíram e roubaram locais que são sagrados para nós", conta Jhyerony.
Segundo ele, a demarcação da Terra Indígena Mura do Itaparanã é fundamental para proteger uma vasta região que está sob intensa pressão ambiental. A rodovia BR-319 passa a apenas 60 quilômetros da aldeia de Jhyerony, entre os municípios de Humaitá, Lábrea e Canutama. A Rodovia BR-230 corta ao meio todo o território tradicional do povo Mura e passa diante da aldeia.
"A demarcação vai dar mais proteção às áreas de conservação como a Terra Indígena Juma, onde os parentes estão em situação muito vulnerável, além dos parques e florestas nacionais do entorno. Vai ajudar também a proteger muitas áreas que hoje não têm proteção alguma, às margens das estradas, e onde há um intenso processo de grilagem. Se nada for feito, com o atual ritmo de desmatamento, acreditamos que em cerca de 10 anos não haverá mais floresta na região", alerta.
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