STF restabelece artigo de lei que retira benefícios de empresas com compromisso com desmatamento zero
maio, 09 2025
Lei estadual aprovada em Mato Grosso restringe benefícios a empresas com padrões ambientais mais elevados que a legislação federal.
Por Lays Cristina Araujo e Monica Salles do WWF-Brasil. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o restabelecimento do artigo 2º da Lei 12.709/2024, aprovada em Mato Grosso, que veda a concessão de incentivos fiscais e de terrenos públicos a empresas que aderirem a compromissos voluntários com exigências ambientais mais rígidas que a legislação federal. A decisão foi publicada em 28 de abril e entra em vigor em 1º de janeiro de 2026.
A medida impacta diretamente compromissos de desmatamento zero, como a Moratória da Soja — um acordo voluntário firmado em 2006 entre empresas do agronegócio e organizações da sociedade civil, que impede a compra de soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008. De acordo com a ABIOVE, entre 2008 e 2021, apenas 2,1% do desmatamento nos municípios monitorados pela moratória resultou em plantio de soja, o que indica que a medida evitou diretamente a conversão de milhares de hectares de floresta para a produção de commodity.
Além disso, a moratória da soja também contribuiu para ampliar o uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), incentivando práticas produtivas com menor impacto ambiental e mantendo o acesso a mercados internacionais com exigências socioambientais mais rigorosas, como a União Europeia. No contexto da COP 30 e da meta brasileira de zerar o desmatamento ilegal até 2030, mecanismos como esse ganham ainda mais relevância.
O ministro reconhece efeitos positivos da Moratória da Soja, mas valida autonomia estadual
Na decisão, o ministro reconhece os efeitos positivos da moratória para a conservação ambiental e para a competitividade do Brasil em mercados internacionais. No entanto, sustenta que o Estado pode definir suas políticas de incentivos com base em critérios próprios, ainda que distintos dos firmados em acordos privados.
Para o WWF-Brasil, que atua como amicus curiae na ação (instrumento jurídico que permite a organizações da sociedade civil contribuírem tecnicamente com decisões judiciais relevantes), a decisão representa um recuo significativo para a conservação ambiental e pode gerar efeitos desestimulantes para compromissos ambientais voluntários. Ao retirar incentivos de empresas que se comprometem com metas mais ambiciosas que a legislação vigente, o Estado desestimula iniciativas voluntárias que têm contribuído para conter o avanço da fronteira agrícola sobre áreas de floresta.
A decisão não pune diretamente essas empresas, mas remove os incentivos fiscais e benefícios públicos que poderiam estimular a adoção de compromissos ambientais mais robustos.
Mato Grosso se torna epicentro da disputa
Maior produtor de soja do Brasil, Mato Grosso é há anos palco de disputas entre interesses econômicos e ambientais. A moratória passou a ser questionada por setores que enxergam como obstáculo à expansão da produção agrícola. Em 2023, a Aprosoja-MT ingressou com ação judicial contra empresas signatárias da moratória e apresentou denúncia ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), acusando-as de práticas anticoncorrenciais.
Em 29 de abril, um dia após a decisão do STF, a entidade intensificou sua ofensiva ao ingressar com uma ação civil pública coletiva contra 28 tradings exportadoras de grãos — entre elas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus — alegando prejuízos financeiros e morais aos produtores, e pedindo indenizações.
Essa ofensiva jurídica amplia a pressão sobre mecanismos voluntários de proteção ambiental e revela os riscos da decisão do STF: ao retirar incentivos de empresas comprometidas com padrões mais exigentes de sustentabilidade, o Estado enfraquece iniciativas que vêm demonstrando resultados concretos. Além disso, o questionamento à constitucionalidade da Moratória da Soja introduz incertezas jurídicas num momento em que previsibilidade e confiança são fundamentais para o fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis.
A decisão que suspendeu liminarmente a lei estadual, agora parcialmente revogada, ainda será analisada pelo plenário do STF. Até lá, o WWF-Brasil segue acompanhando o caso e reforça seu compromisso com a conservação dos biomas e com políticas que valorizem responsabilidade ambiental e previsibilidade jurídica nas cadeias produtivas.
Afinal, quais são os resultados da Moratória da Soja?
- Mais de 13 mil km² de floresta amazônica preservados desde 2008
- Redução de até 85% do desmatamento relacionado à soja nos municípios monitorados pela moratória
- Estímulo ao uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
- Consolidação de ferramentas de rastreabilidade e monitoramento
- Acesso a mercados internacionais com exigências socioambientais, como a União Europeia
- Fortalecimento de práticas agrícolas com menor impacto ambiental
- Redução da pressão sobre áreas de floresta e territórios tradicionalmente ocupados
- Uma referência prática para estratégias climáticas e comerciais voltadas ao desmatamento zero
Atenção ao contexto
É importante destacar que, embora a moratória tenha gerado resultados positivos no controle do desmatamento, ela também está inserida em um modelo de produção agrícola que ainda levanta críticas, inclusive entre setores socioambientais. O uso intensivo de recursos naturais, os impactos sobre territórios tradicionais e o alto consumo de insumos químicos são aspectos que precisam ser considerados no debate. Por isso, é fundamental que políticas públicas avancem não apenas na proteção de florestas, mas também na transição para modelos de produção mais justos, regenerativos e inclusivos.
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