Caso encerrado: verdade prevalece e inquérito contra brigadistas de Alter do Chão é arquivado
abril, 07 2025
Tanto o Ministério Público Federal quanto a Justiça Federal compreenderam que acusações foram infundadas e que não existem provas de suposto crime de incêndio no Pará
Por WWF-BrasilA Justiça Federal acolheu, no final de janeiro deste ano, manifestação do Ministério Público Federal e arquivou o inquérito que investigava quatro brigadistas voluntários por provocarem incêndios na floresta próxima a Alter do Chão, em Santarém, no Pará. A razão para o arquivamento é a completa inexistência de provas sobre a autoria do suposto crime.
O arquivamento põe fim a um caso emblemático de criminalização da sociedade civil, que levou ativistas inocentes à prisão preventiva sem qualquer evidência, apreendeu desnecessariamente equipamentos e documentos de organizações locais e motivou ondas de desinformação a partir de notícias falsas sempre em prejuízo da atuação da sociedade civil.
Tudo começou com um incêndio de grandes proporções, em 14/09/2019, e que só foi controlado por bombeiros e brigadistas três dias depois, em 17/09/2019. Imagens de satélite captadas pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) calcularam uma extensão significativa de floresta atingida, cerca de 1.175,687 hectares, dentro de uma unidade de conservação federal, na Área de Proteção Ambiental Alter do Chão.
Em 26 de novembro de 2019, mais de dois meses depois desse caso, quatro voluntários da Brigada de Alter do Chão foram presos pela Polícia Civil do Pará por supostamente colocarem fogo na floresta na região em que atuavam no combate ao incêndio e de o fazerem para comercializar imagens com o WWF-Brasil: Daniel Gutierrez Govino, Gustavo Fernandes, João Victor Pereira Romano e Marcelo Aron Cwerner.
O inquérito investigava também o Projeto Saúde Alegria (PSA), ONG local com mais de 20 anos de atuação e reconhecida nacional e internacionalmente onde um dos brigadistas voluntários trabalhava, que teve computadores e documentos apreendidos, na busca por supostas evidências sobre o incêndio.
Após mais de dois anos de investigações, nenhuma evidência do suposto envolvimento dos brigadistas ou do PSA nos incêndios foi encontrada. Da mesma forma, a absurda teoria de que os incêndios serviriam para a produção de imagens a serem utilizadas em captações de recursos no Brasil e no exterior, tendo o WWF-Brasil como beneficiário, tampouco teve qualquer indício confirmado.
Foram cinco anos até que, finalmente, todas as instâncias da Justiça esgotassem as etapas necessárias para o definitivo arquivamento do caso.
No entanto, durante todo este tempo, a simples existência de uma investigação contra membros de ONGs e a demora até sua conclusão estimularam a propagação de vídeos e correntes de mensagens – até em veículos de mídia – com objetivo de causar prejuízos à imagem e à atuação dos ativistas e das organizações locais, que se dedicam voluntariamente e sem fins lucrativos à conservação ambiental.
Essa campanha de difamação demonstra a má-fé por parte daqueles que se opõem à atuação dos protetores da floresta, como a Brigada de Alter, o Projeto Saúde e Alegria e o WWF-Brasil. Ainda por cima, contribui para um clima de criminalização da atuação da sociedade civil de um modo geral, fornecendo argumentos falsos e caluniosos para uma sociedade já polarizada e servindo à mobilização de ataques contra ONGs, movimentos sociais e ativistas em geral, baseados na difamação e na desinformação.
Entenda o caso
Duas investigações foram abertas paralelamente para apurar as causas e a autoria dos incêndios ocorridos em setembro de 2019, em Alter do Chão: uma conduzida pela Polícia Civil do Pará (denominada Operação Fogo do Sairé) e de responsabilidade da 1ª Vara Criminal da Justiça Estadual da Comarca de Santarém; e outra conduzida pela Polícia Federal, no âmbito da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Santarém. Foi no âmbito do inquérito que corria na Justiça Estadual que os fatos mais controversos ocorreram.Em 26 de novembro de 2019, os quatro voluntários da Brigada de Alter foram presos preventivamente pela Polícia Civil do Pará. A sociedade civil reagiu e a imprensa deu repercussão nacional. A prisão abusiva foi denunciada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que passou uma recomendação emergencial sobre a situação da sociedade civil organizada no Estado do Pará, no Município de Santarém, no contexto da “Operação Fogo do Sairé” da Polícia Civil (Recomendação 25/2019).
Dois dias após o espetáculo midiático, os quatro homens foram libertados e o delegado responsável, José Humberto Melo Jr., foi substituído pelo diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire Cardoso. Somente em dezembro de 2020, o juiz Alexandre Rizzi liberou os quatro brigadistas de medidas cautelares que haviam substituído a prisão e estavam em vigor desde novembro de 2019.
De outro lado, a investigação da Polícia Federal, concluída em agosto de 2020, já havia descartado a participação dos quatro voluntários no incêndio. Peritos da PF usaram imagens de satélite e descobriram que o incêndio foi iniciado a quilômetros de distância do ponto descrito por órgãos do estado.
Em fevereiro de 2021, o juiz federal Felipe Gontijo Lopes, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Santarém, acatou o pedido do MPF para decretar a federalização do caso, considerando que os crimes investigados foram praticados no interior do Projeto de Assentamento Agroextrativista Eixo Forte (PAE EIXO FORTE), criado e administrado pelo Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, uma autarquia federal e portanto de competência da Justiça Federal, do MPF e da PF, acolhendo, na mesma ocasião, o requerimento de arquivamento do procedimento. A decisão em relação à competência foi ratificada, por unanimidade, pelo STJ em 26/5/2021, em razão de um conflito de competência instaurado pela duplicidade de investigações.
Contudo, após anos de morosidade no cumprimento dessas decisões, só agora, em 2025, os dois inquéritos foram devidamente unificados, analisados pelo MPF e, diante da completa falta de evidências de autoria, não tendo encontrado quaisquer indícios ou provas contra os brigadistas, o arquivamento finalmente foi consumado.
WWF-Brasil não foi investigado
É importante ressaltar que o WWF-Brasil nunca foi formalmente investigado, sequer foi procurado pelos órgãos de polícia para se manifestar em razão dos acontecimentos de novembro de 2019, tanto no inquérito estadual, quanto no federal. Nenhum profissional do WWF-Brasil foi ouvido, investigado ou indiciado, sendo que a organização desconhece qualquer ação judicial, em qualquer esfera. Mesmo assim, notícias falsas e desinformação vinculando o WWF ao inquérito ou aos supostos crimes foram muito disseminadas.
Por ocasião da deflagração da investigação, o WWF-Brasil se posicionou repudiando os ataques a seus parceiros e as mentiras envolvendo o seu nome. Junto com outras organizações, identificamos que se tratava de um ataque à sociedade civil como um todo, com intuito de cercear ou deslegitimar sua atuação.
O nome do WWF-Brasil surgiu pelo apoio técnico e financeiro que concedeu ao Instituto Aquífero Alter do Chão, organização criada pelos brigadistas para formalizar e organizar sua atuação no combate a incêndios. A Parceria Técnico-Financeira assinada entre WWF-Brasil e Instituto Aquífero em outubro de 2019 consistia na doação de R$ 70.654,36, para aquisição de equipamentos como drone, GPS, rastelos e enxadas – todos destinados a reforçar a capacidade da brigada voluntária de Alter do Chão. Esse contrato foi encerrado em março de 2020 tendo sua prestação de contas entregue e aprovada sem quaisquer questionamentos.
A teoria que a polícia estadual criou era de que os brigadistas teriam vendido fotografias da floresta em chamas ao WWF-Brasil, para que o WWF pudesse mobilizar mais recursos para combate aos incêndios. Em algumas postagens, se dizia que o ator Leonardo DiCaprio – conhecido apoiador de causas ambientais, doador internacional e líder de uma fundação nos Estados Unidos criada com este propósito –, seria um dos destinatários de tais imagens fraudadas. Como se percebe, tal tese nunca teve o menor cabimento e o inquérito jamais encontrou qualquer evidência nesse sentido. O WWF-Brasil nunca teve qualquer envolvimento com o ator Leonardo DiCaprio.
É importante contextualizar que esses fatos ocorreram em um momento crítico de dramático avanço de incêndios na Amazônia. Durante a seca de 2019, incêndios ilegais se disseminaram pela Amazônia, pelo Pantanal e pelo Cerrado. Para reagir a esse avanço, o WWF-Brasil organizou uma ação emergencial e concentrou seus esforços no apoio a entidades locais envolvidas no combate ao fogo e defesa dos territórios indígenas e outras áreas protegidas. Recursos recebidos numa rede de solidariedade global foram repassados a organizações locais.
Desde agosto daquele ano, nossos projetos de prevenção e combate a incêndios já chegaram a mais de 93 milhões de hectares de terras – uma área equivalente a mais de 18% da Amazônia Legal e maior do que a soma dos territórios da França, do Reino Unido e da Dinamarca. Apoiamos quase 100 brigadas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, totalizando mais de 700 brigadistas beneficiados nesse período. Até agora, o núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil destinou mais de R$ 10 milhões a diferentes tipos de apoios.
Para a realização desse trabalho, foram firmadas parcerias com diversas organizações da sociedade civil e com órgãos de governos, como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre e a Polícia Ambiental do Acre. As ações, que foram realizadas em mais de 130 terras indígenas e unidades de conservação, beneficiaram diretamente cerca de 70 mil pessoas e, indiretamente, mais de 3,7 milhões. Foram doados mais de 7 mil equipamentos e realizados mais de 50 treinamentos, cursos, oficinas e assembleias com cerca de 3 mil participantes.
O WWF-Brasil recebe com alívio a notícia do definitivo arquivamento deste caso e comemora que a verdade tenha prevalecido. Lamentamos que nossos parceiros locais tenham passado por tantos contratempos durante o longo período em que a investigação esteve aberta. A forma como esse caso foi conduzido é extremamente preocupante do ponto de vista do respeito aos direitos e garantias fundamentais que a nossa Constituição protege. A criminalização de ativistas e organizações que lutam pela conservação ambiental evidencia o cenário de desafios que a sociedade civil brasileira enfrenta.
A partir desta conclusão, o WWF-Brasil espera que se encerre também a onda de desinformação, de mentiras e de criminalização da sociedade civil que se aproveitou de uma investigação abusiva para propagar teorias absurdas contra aqueles que defendem a floresta, as populações tradicionais e os modos de vida na Amazônia.
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